“Secas e desmatamento podem levar à savanização da Amazônia”

Nos últimos 60 anos, o desmatamento atingiu cerca de 20% da floresta Amazônica e a temperatura na região subiu 1º C. Se a temperatura aumentar 4º C e o desmatamento atingir o patamar de 40%, há risco de savanização no Sul e no Leste da Amazônia. Isso significa que a floresta tropical vista hoje poderá dar lugar a uma paisagem próxima à das savanas africanas, de campo ralo, árvores esparsas e menos folhas.

A previsão faz parte do estudo “Riscos de uso da terra, mudança climática na Amazônia e a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento sustentável”, assinado por especialistas dos principais centros brasileiros de pesquisas espaciais, estudos climáticos e de monitoramento e alerta de desastres naturais — Inpe, CPTEC e Cemaden —, além de universidades. O estudo será apresentado nesta terça-feira no Simpósio Amazônia Sustentável, em Belém.

Nos últimos 15 anos, a região registrou três períodos de seca acentuada. Quando o primeiro deles ocorreu, em 2005, foi considerado o mais grave em 100 anos. Cinco anos depois, em 2010, a seca foi ainda pior e pesquisas mostraram que as chuvas diminuíram numa área de 3 milhões de km² da floresta, 57% maior do que o registrado em 2005. Em 2015, a seca se repetiu.

— Um dos principais efeitos das secas é a elevação da mortalidade de árvores grandes, as quais estocam maiores quantidades de carbono e que têm o maior efeito na regulação do clima. Conforme essas árvores morrem e o clima fica mais seco, os incêndios florestais tendem a ser muito mais intensos — afirma Paulo Brando, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), acrescentando que a seca pode também reduzir a taxa de crescimento de árvores.

Na avaliação dos cientistas, o avanço da agricultura e da pecuária na região tem sido de baixa produtividade e insustentável. Numa área desmatada de 750 mil km², a Amazônia responde por 14,5% do PIB agrícola nacional. São Paulo, que usa uma área de 193 mil km², responde por 11,3%. Uma das explicações está no solo mais arenoso da região Amazônica.

MUDANÇA NO PADRÃO DAS CHUVAS

Gilvan Sampaio, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica que o efeito estufa (aumento de gases na atmosfera) eleva as temperaturas na região tropical, a mais quente do planeta. A temperatura mais alta, por sua vez, muda o padrão das chuvas. Chove menos e com menos tempo de precipitação, causando degradação do solo.

Desde 1979, a estação seca no sul da Amazônia tem sido incrementada em seis dias e meio por década, principalmente devido ao início tardio da estação, acompanhado por um período prolongado de queimadas.

— Quando você retira a floresta e substitui pela agricultura, também muda o padrão de chuvas. Causa mais secas e estiagens e o período seco fica mais extenso. O aquecimento não é bom para as árvores. Causa estresse na vegetação, levando ao fenômeno da savanização — diz Sampaio.

A mudança de clima na Amazônia é impactada diretamente pelo desmatamento, pelas queimadas e por alterações no uso da terra. Sofre ainda os efeitos do aquecimento global, que eleva a temperatura dos oceanos e provoca o fenômeno El Niño (aquecimento das águas do Oceano Pacífico), responsável por alterar os padrões de vento no mundo todo e, de novo, afetando as chuvas nas regiões tropicais.

Segundo Sampaio, quando retirada a cobertura florestal da região, o solo exposto ao calor se degrada em 10 anos, e é muito caro para recuperar.

— Até o pasto se degrada. Por isso temos tantas áreas já desmatadas e abandonadas e a continuidade dos desmatamentos — explica.

A mudança climática na Amazônia não se restringe à região, pois a floresta amazônica tem papel crucial no ciclo hidrológico de toda a América do Sul. É dali que se formam os chamados “rios voadores”, ondas de umidade que garantem as chuvas de verão no Sudeste, por exemplo. Há ainda impactos na América do Norte e na Europa.

— A atmosfera não tem fronteiras, a não ser a própria terra e o espaço. O papel da Amazônia para o clima global é muito importante e não há outra saída senão o desmatamento zero — diz Sampaio.

O estudo lembra que é urgente parar o desmatamento também porque se sabe que, para a área de quase 1 milhão de quilômetros quadrados desmatada na floresta amazônica, outra porção igual se encontra em processo de degradação.

* A repórter viajou a convite da Rede Amazônia Sustentável (RAS), composta por mais de 100 pesquisadores de 30 instituições do Brasil e do exterior, criada com o objetivo de usar a Ciência como provedora de medidas que fortaleçam a sustentabilidade na região Amazônica.

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