Uma Terra desbotada

Desde o início do século 19, exploradores descrevem maravilhados as cores assombrosas da vida selvagem tropical – de papagaios e borboletas a orquídeas e aves-do-paraíso. Pode-se considerar a cor como um importante sinal de vitalidade, tanto na cútis avivada dos seres humanos como na presença em toda a natureza. Porém a atuação do homem no período considerado como Antropoceno vem interferindo no planeta de várias maneiras: o céu carregado de partículas poluentes, a agressão às águas dos rios e oceanos, o vandalismo no universo vegetal e a diminuição de animais multicores decorrem de atitudes predatórias que vêm causando a perda da exuberância cromática da Terra.

CÉU

Um dos primeiros sintomas da atuação nefasta do homem no meio ambiente foi a poluição atmosférica das cidades, resultando numa camada escura que veda o cerúleo do firmamento. Como é sabido, essa poluição foi gerada pela Revolução Industrial e a expansão dos centros urbanos, tendo início no século XIX e intensificando-se com os anos. O escurecimento global, que impede a luz solar, deve-se ao aumento de aerossóis atmosféricos, como o carbono negro, resultantes da ação humana. As condições meteorológicas – tais quais as ondas de calor e tempo seco, que dificultam a dispersão e podem gerar um bloqueio atmosférico – ocasionam maior concentração de poluentes, o que altera bastante a coloração do céu, tornando-o bem escuro.

Apesar de a poluição por vezes provocar cores curiosas no céu – como um laranja avermelhado, agravado pelas queimadas –, essas variações são um sinal de perigo. À noite a visão dos astros é prejudicada pela poluição luminosa da claridade artificial das metrópoles. Tanto de dia como de noite, a visão do céu nas cidades é muito limitada.

ANIMAIS

Na fauna, as cores têm bastante significado para a sobrevivência, pois ajudam as espécies a escapar de um predador, intimidam outro animal, arrebatam uma fêmea durante o cortejo, e atuam na disputa de um território. Conforme a intensidade, os diferentes tons e as variadas situações em que estão presentes, as cores atraem ou repelem. A cauda do pavão, em vibrantes azul e verde, enfeitiça sua fêmea durante a dança nupcial, motivo essencial na atração para o acasalamento, quando agem também o canto e o feromônio. As cores vermelho, laranja, amarelo e preto  – presentes em cobras e pererecas venenosas, entre outros animais – por vezes significam perigo, alertando possíveis predadores para a toxidade e impalatabilidade daquele ser, fenômeno chamado de coloração aposemática.

Já as cores crípticas – tons de bege, cinza e marrom – estão presentes nas fêmeas e em seus filhotes, facilitando a camuflagem no meio ambiente em que vivem, pois os matizes da terra, das pedras e dos musgos são semelhantes à coloração de seus corpos, tornando-os assim difíceis de serem avistados. Na verdade há vários animais que buscam proteção usando suas diferentes tonalidades para se camuflarem em seus habitats. Em contrapartida, alguns seres têm a habilidade de imitar outras espécies, são mímicos, uma estratégia evolutiva que funciona como recurso de defesa diante dos predadores, sendo a cor um elemento fundamental neste processo de mimetismo.

Porém, segundo relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), órgão independente apoiado pela ONUmilhares de espécies animais e vegetais estão sendo ameaçadas de extinção pelas ações descontroladas e danosas dos homens. No Brasil há 1.253 espécies de animais comprometidas, como o mico-leão dourado, a onça-pintada, o tubarão-martelo, o pica-pau-amarelo, a arara-azul-de-lear, e até o lobo-guará, símbolo do Cerrado mineiro. Este fato se dá principalmente pelas queimadas, visando à expansão agrícola para o cultivo de soja, dedicada à ração animal para os bois do mercado da carne, que destroem os habitats naturais . A menor presença de animais significa menos criaturas multicores circulando pelo planeta.

Uma Terra desbotada

POLINIZADORES

Quando se pensa em algum vivente colorido, logo surgem as borboletas, símbolo de leveza e alegria. Mas em apenas duas décadas elas diminuíram sua população em 22% nos EUA. Importantes para o ecossistema, as borboletas envolvem-se com pólen em suas pernas e corpos, enquanto se alimentam do néctar de uma flor – que as atrai pela cor e pelo odor –, e o carregam adiante, espalhando este gameta masculino entre outras flores, e assim permitindo a reprodução das plantas. Em seu estágio de lagarta, como são herbívoras, mantêm o crescimento das plantas sob controle. As populações de borboletas diminuem pela perda de seu habitat, o uso de inseticidas agressivos e o aumento da temperatura, pois as paisagens secas prejudicam esses frágeis insetos, que não retêm muita umidade e podem facilmente ficar ressecados. As borboletas adoram flores silvestres nativas, plantá-las pode colaborar com muitas espécies destes lepidópteros.

Outro grande inseto polinizador é a abelha, que está ameaçada de extinção devido ao uso indiscriminado de agrotóxicos e à remoção da cobertura vegetal nativa. Albert Einstein previu, no século passado, que, caso as abelhas desaparecessem, a humanidade teria apenas mais quatro anos de vida. A alternativa para manter as abelhas seria incentivar a agricultura familiar, com apicultores locais; há até estudos para o desenvolvimento de drones nos Estados Unidos – robôs em miniatura imitando os movimentos da abelha – que fariam a polinização, o que soa deplorável.

PLANTAS

A cobertura vegetal é uma tapeçaria verde formada principalmente pelas florestas e pradarias do planeta. A vegetação é crucial para a diversidade da vida na Terra, pois fornece habitat e alimento aos seres vivos e faz a fotossíntese, que, sabidamente, purifica o ar, retirando o dióxido de carbono e liberando oxigênio. A cobertura vegetal mantém a fertilidade do terreno e as raízes das plantas ajudam a estabilizar o solo, prevenindo a erosão, além de definir os ciclos hidrológicos, pois regula a quantidade de água no solo e influencia a precipitação. É ameaçada pelo desmatamento, causado pela expansão agrícola e exploração madeireira, e pelas mudanças climáticas, que alteram padrões de temperatura e precipitação, provocando sensível diminuição da área verde do planeta. Estratégias sustentáveis de manejo, conservação de áreas protegidas e esforços globais para reduzir as emissões de carbono são providências impreteríveis. Com a diminuição da cobertura vegetal, além de menos verde, menos flores e menos frutas policromáticas.

ÁGUAS

A cor dos rios pode ser alterada por fatores diversos, como a presença de metais, sedimentos, micro-organismos e poluentes. A eutrofização é um processo comum de poluição que ocorre quando corpos d’água recebem muitos efluentes com matéria orgânica composta por minerais e nutrientes. Este processo dá-se devido ao despejo de resíduos derivados de atividades domésticas e industriais – como detergentes, fertilizantes ou esgoto – contendo nitrato ou fosfato, o que causa a proliferação e a degradação bacteriana das algas e plantas aquáticas e pode resultar no esgotamento de oxigênio da água, tornando-a turva.

Lançando-se largas quantidades de matéria orgânica tóxica nos corpos d’água, o que hoje é um problema global, a eutrofização causa graves impactos nos ecossistemas aquáticos, provocando a morte de diversas espécies animais e vegetais e ocasionando dificuldades para o abastecimento público, a navegação e o funcionamento de hidrelétricas. O Tapajós, com suas águas límpidas e azuladas, que até fazia parte do “Caribe Amazônico, está hoje barrento e poluído com mercúrio, devido ao garimpo ilegal ao longo do rio. Há outros tipos de contaminação, como no Alasca, onde os rios adquiriram uma coloração de ferrugem, turva e alaranjada, causada pela liberação de metais – como cobre, zinco, níquel e ferro – que provêm do derretimento do permafrost – camada de solo permanentemente congelada que se forma em regiões frias do planeta. Isto se dá devido ao superaquecimento, e, além de poluir a água, libera gigatoneladas de gases tóxicos.  

Sabe-se que mais de 70% da superfície da Terra é coberta por oceanos, o que originou o nome Planeta Azul. Porém, 56% dos oceanos mudaram de cor, tornando-se mais verdes, o que indica que a temperatura e a composição química da água estão mudando, havendo grande aumento de fitoplânctons -organismos microscópicos essenciais à base da cadeia alimentar marinha. Além da importância que têm na vida do oceano, essas algas são também responsáveis pela produção de grande parte do oxigênio da Terra, porém quando há crescimento excessivo, causado por mudanças climáticas e poluição, tornam-se uma ameaça. A proliferação deve-se ao excesso de nutrientes (fósforo e nitrogênio, vindos de esgotos e fertilizantes, como no caso dos rios) e produz toxinas que matam peixes e contaminam o mar. Sabe-se que o aumento da temperatura estimula algumas espécies de fitoplâncton que alteram o equilíbrio natural e a biodiversidade, causando o sufocamento de formas de vida marinha e afetando toda a cadeia alimentar. Quando há a morte de grandes quantidades dessa alga, sua decomposição consome o oxigênio da água e cria zonas mortas onde poucos organismos sobrevivem.

O aquecimento dos oceanos, resultante da atuação do homem e agravado com o fenômeno El Niño, causa a morte dos corais pelo processo de branqueamento, que se dá quando a temperatura da água aumenta 1°C acima da média por um longo período. Nesta situação, os corais expulsam as zooxantelas – algas que vivem em seus tecidos –, o que ocasiona a perda de suas cores vibrantes e revela seu esqueleto calcáreo branco. Sem essas algas – que fazem a fotossíntese e geram nutrientes – os corais sobrevivem por pouco tempo. Como os corais não estão na superfície, poucas pessoas ficam cientes da gravidade desse fenômeno, que, para os ecologistas, equivale ao estrago causado pelas grandes queimadas. Os recifes de coral abrigam e alimentam peixes, crustáceos, moluscos e algas e, quando os corais morrem, toda essa biodiversidade se perde. Além de favorecerem a vida e de sua rara beleza, o que fascina muitos turistas em todo o mundo, os recifes agem como uma barreira natural, protegendo as praias do impacto das ondas vindas de tempestades e furacões, que devem se intensificar com a crise climática.

Cor é vivacidade, entusiasma com graça e poesia, causa satisfação. Num planeta cinzento, o encanto pela vida pode minguar, e a depressão, doença que tanto cresce entre nós em todo o mundo, talvez se alastre como uma descomunal pandemia.

Roberto Cenni

maio de 2025

Pinturas de Franz Marc

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