Tribunal Penal Internacional reconhece ‘ecocídio’ como crime contra a Humanidade

Em apenas 50 anos (1966-2016), a destruição na Amazônia e no Cerrado de quase 2 milhões de km2 de sua cobertura vegetal e de sua biodiversidade pelo capitalismo global, com o apoio e a cumplicidade do sistema político brasileiro,  será lembrada como o mais fulminante ecocídio cometido em toda a história da humanidade.

Em apenas 35 anos (1980 – 2015), o bioma Cerrado perdeu mais da metade de sua cobertura vegetal, isto é, mais de 1 milhão de km2. E continua a perdê-lo aceleradamente, agora também em sua última fronteira, o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). 

Quanto à Amazônia, Antonio Donato Nobre definiu melhor que ninguém a devastação aí ocorrida nos últimos 50 anos, agora em fase de recrudescimento:

“Nos últimos 40 anos, 763.000 km² da floresta foram destruídos. Isso significa duas vezes a área da Alemanha. É preciso imaginar um trator com uma lâmina de 3 metros de comprimento, evoluindo a 756 km/h durante quarenta anos sem interrupção: uma espécie de máquina de fim do mundo. Segundo o conjunto das estimativas, isso representa 42 bilhões de árvores destruídas, isto é, duas mil árvores derrubadas por minuto ou 3 milhões por dia. É uma cifra difícil de imaginar por sua monstruosidade.

E aqui falamos apenas de corte raso. Raramente se evocam as florestas degradadas pelo homem, todas essas zonas que as fotos dos satélites não distinguem e onde não restam senão algumas árvores que mascaram um desmatamento mais gradual. Trata-se neste caso de regiões inteiras nas quais a floresta não é mais funcional e não age mais como um ecossistema. Segundo os índices de degradação colhidos entre 2007 e 2010, essa zona cobre 1,3 milhão de km2, de modo que a área de corte raso e a de degradação representam juntas cerca de dois milhões de km2, ou seja 40% da floresta amazônica brasileira”.

Os ditadores brasileiros, que desencadearam após 1964 essa máquina mortífera, são obviamente os responsáveis primeiros por esse crime hediondo contra a humanidade e a biosfera, cujas consequências já recaem sobre nós e recairão com força incomparavelmente  maior sobre as próximas gerações.

Mas sobre os governos civis do Brasil, sem exceção, pesa o crime de continuação, e mesmo de agravamento, deste ecocídio. 

O ecocídio que se continua a perpetrar nos oceanos, nas mantas vegetais nativas do planeta e na biodiversidade em geral deve-se tornar passível de penalidades efetivamente dissuasivas. Em 30 de janeiro de 2014, com o lançamento da Carta de Bruxelas, esboça-se um primeiro passo para a criação de uma Corte Penal Internacional do Meio Ambiente e da Saúde. Urge transformá-la num órgão de arbitragem internacional e atribuir a seus vereditos poder coercitivo.  

Agora, como se verá abaixo, o Tribunal Penal Internacional decidiu reconhecer o ecocídio como um crime contra a humanidade.  O direito internacional progride. Resta saber se esse progresso não é lento e tardio demais para evitar que o desmatamento, a defaunação e a intoxicação química dos organismos, processos todos em aceleração, não inviabilizem a vida humana e a das ainda numerosas espécies remanescentes no planeta.

Por ora podemos apenas afirmar que as perdas já ocorridas no último meio século são irreparáveis, que seus impactos são doravante irreversíveis e que seus efeitos estão apenas começando.  Mas ainda é possível, e mais que nunca urgente, mitigá-los.

Luiz Marques

O Tribunal Penal Internacional (TPI) decidiu, no final de 2016, reconhecer o “ecocídio’ (termo que designa a destruição em larga escala do meio ambiente) como ‘crime contra a Humanidade’. O novo delito, de âmbito mundial, vem ganhando adeptos na seara do Direito Penal Internacional e entre advogados e especialistas interessados em criminalizar as agressões contra o meio ambiente. As informações são da Radio France Internationale.

Com o novo dispositivo, em caso de ecocídio comprovado, as vítimas terão a possibilidade de entrar com um recurso internacional para obrigar os autores do crime – sejam empresas ou chefes de Estado e autoridades – a pagar por danos morais ou econômicos. A responsabilidade direta e penas de prisão podem ser emitidas, no caso de países signatários do TPI, mas a sentença que caracteriza o ecocídio deve ser votada por, no mínimo, um terço dos seus membros.

O advogado brasileiro Édis Milaré, especialista em Direito Ambiental, saúda a medida, dizendo que “ninguém quer se envolver num processo-crime, porque o processo-crime estigmatiza. Nenhuma empresa quer responder por um crime ambiental, porque sabe que está em jogo a sua imagem, a sua reputação, a sua credibilidade, e isso diz respeito à sua sobrevivência. A questão penal é importante, mas em termos de gestão ambiental o assunto do dia no Brasil é dotar o país de um marco regulatório à altura da grandeza do nosso meio ambiente, que devemos proteger”, afirmou.

Em setembro de 2016, a Procuradoria do TPI publicou um documento de trabalho onde explica que, a partir de agora, o tribunal interpretará os crimes contra a humanidade de maneira mais ampla, para incluir também crimes contra o meio ambiente que destruam as condições de existência de uma população porque o ecossistema foi destruído, como no caso de desmatamento, mineração irresponsável, grilagem de terras e exploração ilícita de recursos naturais, entre outros.

Evolução

Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), realizada em Paris, em 2015, os tribunais internacionais de Direitos da Natureza tentam qualificar o ecocídio, dentro do pressuposto jurídico, como o quinto crime internacional. Os outros quatro crimes internacionais, reconhecidos e punidos pelo Tribunal Penal Internacional, são o genocídio, os crimes de guerra, os crimes de agressão e os crimes contra a humanidade.

A jurista em Direito Internacional Valérie Cabanes, porta-voz do movimento End Ecocide On Earth (Pelo fim do ecocídio na Terra), explica a origem do termo. “A ideia de ecocídio existe há 50 anos e foi evocada pela primeira vez quando os americanos usaram dioxina nas florestas durante a Guerra do Vietnã. Agora queremos reviver essa ideia que considera que atentar gravemente contra ciclos vitais para a vida na Terra e ecossistemas deve ser considerado um crime internacional”, disse.

Agencia Brasil

“Trabalhamos em 2014 e 2015 num projeto de alteração do estatuto do TPI, onde definimos o crime do ecocídio, explicando que como hoje vivemos uma grave crise ambiental – com extinção de espécies, acidificação dos oceanos, desmatamento massivo e mudanças climáticas – atingimos vários limites planetários. Daí ser necessário regular o direito internacional em torno de um novo valor, o ecossistema da terra, e nós defendemos esta causa junto aos 124 países signatários do Tribunal Penal Internacional”, explicou a especialista.

“Será um longo trabalho, porque reconhecer os direitos da natureza e do ecossistema implica em reconhecer que o homem não é o ‘dono’ da vida sobre a Terra, o que pressupõe uma nova concepção do Direito, baseada numa realidade onde o homem é interdependente de outras espécies e do ecossistema. E isso implica também em reconhecer nossos deveres em relação às gerações futuras”, enfatizou Valérie.

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