Quando fazemos as nossas refeições, em geral, estamos em momentos de breves intervalos entre atividades. Ou é um café da manhã antes do estudo ou trabalho ou um almoço corrido em algum restaurante self-service, que pode até ter uma grande televisão com noticiários ou algum lanche ou jantar antes de mais um episódio de uma série ou filme. O que há em comum entre esses exemplos é a atenção superficial que muitas vezes damos aos nossos alimentos.
Se aceitarmos o desafio de fazermos algo um pouco diferente, poderemos abrir um amplo espaço a reflexões. Uma curiosidade que pode surgir é a da origem do que está à nossa frente. De onde vieram esses alimentos? Eles são assim parecidos em todos os lugares? Por exemplo, quando olhamos os vários tipos de grãos, empacotados em prateleiras de supermercados, vemos uma uniformidade nas cores, formatos e tipos. Podemos até encontrar algumas exceções, mas, certamente, estarão em seções alternativas. Essa uniformidade dos grãos e de muitos outros alimentos reflete as práticas de monocultura e produções seletivas que, muitas vezes, deixam de fora alimentos ancestrais. O refinamento e a padronização dos elementos mais essenciais da nossa alimentação como o arroz, o feijão, o macarrão, o milho, os óleos e açúcares pode nos conduzir a trajetórias de seleção de espécies mais favoráveis à industrialização e comercialização. Esse conjunto de fatores acaba impactando os ambientes naturais, pois exclui muitos elementos, como minerais dos solos, espécies polinizadoras, espécies vegetais importantes para o equilíbrio de ecossistemas como o entorno de nascentes, matas ciliares, mangueais, entre outros. Em contrapartida, em lugares onde houve um histórico cultivo de terras em proporções menores, como em algumas regiões do estado do Espírito Santo, encontramos com mais facilidade a agricultura familiar e a agricultura orgânica, com plantios consorciados, maior diversidade de espécies, além de uma proximidade maior ente produtores e consumidores.
Mas, afinal, com o que indagações sobre os alimentos podem contribuir para a nossa compreensão da vida? Será que vale a pena utilizarmos os nossos preciosos intervalos com reflexões? Não seria mais eficiente engolirmos rapidamente um lanche que foi preparado em um tempo recorde?
Se em algum momento optarmos por apostar nas reflexões, poderemos nos lembrar da nossa ligação com a terra em que os alimentos são produzidos. Poderemos nos dar conta de que eles não “nascem” nos supermercados, como algumas crianças acreditam. Se visitarmos povos que mantêm sua ligação ancestral com a produção e preparo de sua alimentação ou mesmo optarmos por adquirir alguns alimentos em feiras orgânicas, mesmo que estejamos buscando uma conexão maior entre produtores e consumidores, ficaremos surpresos em conhecer histórias de alimentos e formas de preparo que se perderam, pois foram substituídos por espécies padronizadas. Ao conversarmos com quem ainda guarda e usa os cadernos de receitas de família, podemos nos deparar com ingredientes que precisaram ser substituídos por outros industrializados. Até mesmo no uso caseiro de chás, xaropes e outros tratamentos, podemos ter dificuldade em identificar plantas que cresciam nos quintais.
Deixo então um convite a essas reflexões. Longe de querer atrasar os compromissos de alguém, fica a sugestão para, talvez em um dia mais tranquilo, o lanche ou o prato de comida mereçam duas perguntas: “De onde veio tudo isso?”, “Sempre foi assim?”.
Uma dica instigante pode ser encontrada na temporada 5 da série Chef’s Table (Netflix). Alguns exemplos de retorno às raízes ancestrais de cultivo e preparação de alimentos em diversas culturas pelo mundo podem favorecer reflexões sobre os nossos alimentos também e talvez despertem a vontade de religação com memórias de família, aromas, sabores, histórias, remédios, tradições, que têm um forte potencial de darem sentido à nossa vida e de enraizarem a nossa existência.
Foto: Aroeira – Schinus terebinthifolia – Planta nativa das restingas brasileiras -usos populares na culinária e como planta medicinal.