“Socializar o conhecimento” é a expressão que a cientista Luciana Gatti (pesquisadora da Amazônia no INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ) usa para começar a nos explicar por que é uma péssima ideia não só financiar o gasoduto que vem da Patagônia, como até mesmo EXPLORAR E USAR esse “gás natural”. O simpático nome “gás natural”, nos explica Luciana, é empregado para designar um grande agente poluidor, um combustível fóssil, assim como o carvão e o petróleo, na origem do efeito estufa e portanto do aquecimento do planeta.
O QUE SÃO COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS
O termo “fóssil” é dado aos restos ou vestígios de plantas ou animais que se encontram nas camadas terrestres anteriores ao atual período geológico. Os combustíveis fósseis – gás, petróleo e carvão – originaram-se da decomposição de seres vivos animais e vegetais ao longo de milhões de anos. Esses restos de matéria orgânica foram sendo soterrados nas camadas mais profundas da crosta terrestre, e a sua decomposição ocorre pela ação de bactérias, pressão e calor. Os combustíveis fósseis, cuja queima produz energia, são recursos não renováveis – ou seja, a reserva deles no nosso planeta chegará ao fim.
O PLANETA ESTÁ MUDANDO
O nosso planeta está mudando em consequência da ação humana. Queimamos combustíveis fósseis em grande quantidade – um bilhão de toneladas de CO2 são lançados na atmosfera a cada ano, originados pela queima de carvão, petróleo e gás metano fóssil. Já sabemos do aquecimento do planeta há 120 anos, mas, como humanidade, fizemos bem pouco para controlar a situação. As florestas diminuem e absorvem sempre menos do dióxido de carbono originado pela queima. E os oceanos também começam a ter problemas na absorção do CO2.
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA: O GRANDE DESAFIO DA HUMANIDADE
O grande desafio da humanidade é a transição energética. Temos que usar energia limpa e renovável para frear o aquecimento global e as catástrofes que já começaram a acontecer e que ameaçam a vida humana no planeta. É um problema não só técnico. Envolve também uma mudança social – menos consumo, menos desigualdade – objeto de estudo de muitos pensadores contemporâneos.
O PROJETO VACA MUERTA
A extração de gás de xisto na Patagônia argentina, começou nos primeiros anos da década passada. A Argentina possui a maior reserva de gás da América do Sul, a segunda maior do mundo. Atualmente existem mais de 300 poços em funcionamento na região de Vaca Muerta, oeste da Patagonia argentina. Desses poços, 14 se encontram no território do povo original Mapuche, sempre em luta pela recuperação de seu território ancestral.
O projeto Vaca Muerta está enterrado até o pescoço em problemas ambientais, especialmente aqueles ligados à extração via fracking, proibido em muitos países e em vários estados do Brasil. As comunidades Mapuche, povo originário da região, contesta a exploração de gás e petróleo em suas terras.
O Governo argentino busca recursos para concluir gasoduto que ligará campo de Vaca Muerta, um dos maiores do mundo, ao Rio Grande do Sul.
GÁS NA PEDRA – O QUE É FRACKING
O fracking, também conhecido como fraturamento hidráulico, é uma técnica utilizada para realizar perfurações de até mais de 4 mil metros de profundidade para a extração de gás de xisto.
A técnica consiste em executar perfurações nas quais é injetada, com muita pressão, uma grande quantidade de água em conjunto com centenas de solventes químicos comprimidos, alguns com forte potencial cancerígeno. A grande pressão gerada pela água provoca explosões que fragmentam a rocha, e podem causar abalos sísmicos. Para que os buracos não se fechem, também é inserida uma quantidade elevada de areia, que supostamente impede que o terreno ceda e que, por sua porosidade, permite a passagem do gás.
Além de abalos sísmicos, a técnica é acusada por ambientalistas e especialistas de contaminar o solo e os lençóis subterrâneos de água, de causar doenças em homens e animais. Como se não bastasse, no processo de extração uma quantidade considerável é dispersa na atmosfera, com um poder de aquecimento ainda maior do que o carvão e o petróleo. No caso da Patagônia, a exploração compromete seriamente as comunidades Mapuche, que vivem de agricultura familiar.
Foto: Imazon
ESPERANÇA NO BRASIL
A vitória do presidente Lula nas últimas eleiçōes trouxe mudanças importantes no cenário político e social do país, como a nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente, a criação do Ministério dos Povos Originários, a nomeação de uma ativista indígena para a Funai, a denúncia da tragédia humanitária em que vivem os Yanomami e a promessa do presidente de expulsar os garimpeiros e demarcar terras indígenas.
Em recente visita à Argentina, o presidente Lula se comprometeu com o seu colega argentino, Alberto Fernandez, a financiar, através do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, uma parte do gasoduto que transportaria o gás até o Rio Grande do Sul.
O anúncio de apoio à construção do gasoduto contrariou ambientalistas, que contestam a necessidade de o Brasil financiar uma infraestrutura de energia fóssil no contexto da transição energética para fontes renováveis e do enfrentamento à mudança do clima.
A Ministra Marina da Silva já demonstrou a sua preocupação, e Aloizio Mercadante, também filiado ao PT e nomeado pelo presidente para chefiar o BNDES, não parece estar de acordo com esse financiamento.
Por coerência política e programática, o governo brasileiro não pode defender pautas ambientais e povos originários no Brasil, e financiar projetos que ameaçam o meio ambiente e os povos indígenas em outros países.
Leia neste link a matéria do site (o)eco sobre o assunto e a carta endereçada ao então Presidente Interino do BNDES, Alexandre Corrêa Abreu, e aos Ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Marina Silva (Meio Ambiente), Sônia Guajajara (Povos Indígenas).
Maristela Jardim Gaudio
Crédito da foto da capa: Presidência Argentina/Divulgação – Vaca Muerta