PL DA GRILAGEM: APROPRIAÇÃO CRIMINOSA DE TERRAS PÚBLICAS
Os governos Lula, Temer e Bolsonaro produziram leis responsáveis por transformar cerca de 190 milhões de hectares de terras públicas em propriedades privadas. No atual governo, o Incra (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) perdeu parte considerável da sua verba e de de seus funcionários, a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) ganhou o muitas vezes declarado apoio de Bolsonaro, e, entre Medidas Provisórias (MP) e Projetos de Lei (PL), a grilagem avança de forma avassaladora.
O lobby da grilagem, que influencia, com o seu poder econômico, atores políticos visando aprovar leis que favoreçam projetos criminosos de apropriação de terras públicas, vem atuando há bastante tempo no governo federal do Brasil.
Como bem explica o Greenpeace, em matéria de 8 de Março de 2022, “é possível perceber o avanço da destruição caminhando lado a lado das discussões para alterar a lei fundiária. Primeiro, o desmatamento dispara a partir de 2010, respondendo às expectativas geradas pela aprovação da Lei 11.952, de 2009. Depois, um novo pico significativo de desmatamento aconteceu entre 2015 e 2017, período no qual o lobby da grilagem pressionava por mais mudanças, o que acabou acontecendo com a aprovação da Lei 11.465, de 2017”. Em 2019, a MP 910, já no governo Bolsonaro, pretendia legalizar a grilagem até 2018. Não votada, perdeu a validade e foi substituída pelos PL 2633 e 510.
Para exemplificar o avanço da grilagem, o excelente artigo do Greenpeace conta a história da gleba João Bento, no sul do Pará, alvo de grilagem desde os anos de 1970. Gleba imensa, 295 mil hectares, ou seja, duas vezes o município de São Paulo, dos quais 93 mil já foram derrubados e queimados, 57% dos quais, no governo Bolsonaro. A grilagem e a extração ilegal de madeira avançam de mãos dadas. Destruir a floresta para vender madeira, criar bois e se apropriar da terra custa caro, muito caro, e o artigo indica com nome e sobrenome os responsáveis pela devastação, e o que o governo deixa de fazer, para protegê-los.
Um novo apoio e favorecimento da grilagem são os PL 2633/2020 e PL 510/2021, que, já aprovados na Câmara, tramitam neste momento no Senado, e podem ser votados a qualquer momento. Estes PLs pretendem regularizar terras griladas entre 2008 e 2017, sem que sejam submetidas a processo licitatório e com preço de compra abaixo do valor real de mercado. Pretendem, ainda, que grandes áreas griladas depois de 2017 (verdadeiros latifúndios) também possam ser privatizadas, com processo de licitação público.
Os PL 2633 e 510 dispõem que passem de 4 a 6 os módulos fiscais das ocupações dispensadas de vistoria (módulo fiscal é uma unidade de medida que varia de tamanho conforme o município – entre 5 e 110 hectares), ou seja, aumenta o tamanho de terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia, e considera prova de regularidade ambiental a inscrição no CAR (Cadastro Ambiental Rural), que é autodeclaratória. Como se não bastasse, concede anistia a quem invadiu e desmatou ilegalmente terra pública até dezembro de 2014, e autoriza a emissão de novos títulos àqueles já beneficiados com terras públicas no passado. E ainda permite titular áreas desmatadas ilegalmente sem exigir assinatura prévia de instrumento de regularização de passivo ambiental, nos casos em que não houve autuação.
Em poucas palavras, esses PLs pretendem legalizar o que é ilegal.
Importante notar que o simples anúncio do conteúdo desses PLs passa a mensagem do favorecimento do governo à privatização de terras públicas e da complacência com a grilagem, e eles já foram suficientes para impulsionar a ocupação de terras. Os criminosos passam a contar com novas anistias no futuro.
O PL 2633/2020 já foi aprovado na Câmara por 296 votos a favor e 136 contra, no dia 3 de Agosto de 2021. Deve-se notar que 68,8% da Frente Parlamentar Evangélica votou SIM. Os seguintes partidos: PT, PSB, PDT, Psol, PCdoB, PV e Rede, orientaram os seus deputados a votar NÃO. PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, Solidariedade, Novo e Cidadania deram sinal verde ao projeto de lei. A medida atende a interesses da bancada ruralista, um dos braços da gestão Bolsonaro, e enfrenta ampla rejeição de especialistas e movimentos populares.
“Ao aprovar a legalização do roubo de terras públicas, Lira e demais aliados de Bolsonaro no Congresso mostram que estão ao lado do crime e da devastação ambiental. Cabe agora aos senadores impedirem esse retrocesso que a Câmara dos Deputados acabou de aprovar”, comentou o Greenpeace no dia da votação.
Permitir e estimular a grilagem é perpetuar o avanço da economia da destruição, que já consumiu mais de 729 mil quilômetros quadrados da Amazônia, espalhando devastação, violência e morte.
O Eco tambem conta a história desse PL e dessa votação, e reproduz a objeção de Nilto Tatto (PT-SP):
“Eu não lembro a última vez em que esta Casa se reuniu para debater projetos de lei para avançar na titulação dos 5.500 quilombos que reivindicam o seu território, e, até agora, esta Casa não debateu seriamente. Nós temos hoje aproximadamente 50% das terras indígenas que não foram demarcadas. Esta Casa não discute para avançar no reconhecimento e na titulação dessas terras. Nós temos milhares de comunidades tradicionais que reivindicam a criação de reserva de desenvolvimento sustentável, e esta Casa não senta para debatê-la. Estão querendo falar e falam que mais de 90% dos agricultores familiares estão contemplados neste projeto de lei. Mas já existe legislação, e o INCRA não a implementa. Não há necessidade de aprovação de uma nova lei”.
Foto: Vinícius Mendonça – Ibama
Referências:
PL da Grilagem legaliza o desmatamento e o roubo de terras públicas no Brasil – Greenpeace Brasil
Se aprovado, PL da Grilagem coroa processo de sucateamento do Incra – Agência Pública
Câmara volta do recesso e aprova PL da grilagem – ((o))eco
Projeto de Lei n° 510, de 2021 – Matérias Bicamerais – Congresso Nacional
Consulta Pública – PL 2633/2020 :: Portal e-Cidadania – Senado Federal
Titula Brasil faz parte da maior ofensiva de grilagem pós-ditadura – De Olho nos Ruralistas
Artistas vão a Brasília contra ‘Pacote da Destruição’; entenda as demandas – 09/03/2022 – UOL ECOA