Caça excessiva ameaça 300 mamíferos silvestres

Crisálida publica abaixo a ótima divulgação por Vandré Fonseca de um artigo de William J. Ripple (Oregon State University), à frente de 14 co-autores, entre os quais Rodolfo Dirzo, Mauro Galetti, Peter A. Lindsey, Carlos A. Peres e Christopher Wolf.

O artigo, intitulado “Bushmeat hunting and extinction risk to the world’s mammals”, acaba de ser publicado na revista Royal Society Open Science. Seu objetivo é dar a conhecer melhor os motores, padrões e consequências do colapso de 301 mamíferos silvestres, caçados por sua carne e para a fabricação de produtos supostamente “medicinais”. A figura e a legenda abaixo, retiradas ambas desse trabalho, oferecem um quadro da gravidade da questão:caca-ameacada-de-extincaoThe percentage of species threatened by hunting for human consumption and other threatened species in each mammalian order. The values on the x-axis refer to the percentage of species out of all mammal species in each order. The category ‘Other threatened species’ consists of the other threatened mammal species where hunting for consumption is not a primary or major threat. Horizontal bars are sorted from highest to lowest total percentage of threatened species in each order. Numbers on the y-axis after the order names are the number of species threatened by hunting followed by the total number of species in the order. Elephants are threatened by hunting but not listed here because they are predominately killed for their ornamental ivory and not for the consumption of meat or medicine (see [14]). The order Notoryctemorphia (marsupial moles) was omitted as it contains only data-deficient species.

Como se vê, 126 espécies da ordem dos primatas estão ameaçadas de extinção sobretudo pela caça. São espécies para as quais a caça é a “ameaça primária ou maior” (a primary or major threat) O World Atlas of Great Apes and their Conservation adverte que chipanzés, gorilas e orangotangos poderão estar extintos no espaço de uma geração humana [Veja-se R. Black, “Apes extinct in a generation”, 01/09/2005, BBC News]. E segundo o relatório de 2013 da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), das 420 espécies avaliadas da ordem dos primatas, 206 (49%) estavam ameaçadas. Sabemos agora, graças a este trabalho coordenado por  William J. Ripple, que mais da metade das 206 espécies de primatas ameaçadas o estão por causa da caça (126). 

A informação é tanto mais chocante quando nos lembramos que, tal como os humanos e seus ancestrais, certas espécies de primatas são capazes de fabricar artefatos, inclusive de pedra. Esses utensílios, fabricados por chimpanzés e macacos, são a base de uma novíssima área da ciência: a arqueologia dos primatas, como se lê no artigo “Com tecnologia própria, macacos entraram em sua ‘Idade da Pedra'”, de 1 agosto de 2015. Barras escreve que, para Michael Haslam, da Universidade de Oxford, líder do projeto Primarch (Arqueologia Primata): “tanto o macaco-prego quanto o macaco tailandês teriam conseguido transmitir o uso das ferramentas para as novas gerações. Isso significa que há uma história profunda da aplicação da pedra em pelo menos três primatas além do ser humano”.

Ora, a combinação entre inovação de práticas, técnicas e ideias e sua transmissão às gerações sucessivas é nada menos que a própria definição de “cultura”. A cultura não é, diga-se mais uma vez, algo exclusivo de nossa espécie. Isso é sabido, e largamente admitido, há muitos anos. Em 2005, Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, escrevia: “Os grandes macacos são nossos parentes. Como nós, eles têm autoconsciência e têm culturas, ferramentas e medicações; podem aprender a usar linguagem de sinais e têm conversas com pessoas e entre eles próprios. Infelizmente, entretanto, não os tratamos com o respeito que merecem e sua população está agora declinando, vítima do desmatamento, doenças, perda de habitat, captura e caça”.

(Luiz Marques)

 

Manaus, AM — Um grupo de pesquisadores, entre eles os brasileiros Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, Inglaterra, e Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), faz um alerta para o risco de faltar comida para populações que se alimentam de caça na América do Sul, África e Ásia. A razão: falta de controle sobre o abate de animais selvagens, que está levando mais de 300 espécies a um declínio contínuo.

Eles revisaram as informações sobre a situação de 1.169 espécies de mamíferos terrestres, listados como ameaçados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em Inglês), e concluíram que uma grande parte deles está desaparecendo sob a mira de armas ou em armadilhas. O estudo foi publicado na edição desta terça-feira (18) da revista da Royal Society Open Science.

“Nossa análise é conservadora”, afirma o autor principal do estudo, William J. Ripple, da Universidade do Estado do Oregon, Estados Unidos. “Essas 301 espécies são os piores casos de declínio das populações de mamíferos para os quais a caça e captura são claramente identificadas como uma grande ameaça. Se os dados para uma espécie estavam faltando ou eram inconclusivo, não incluímos”, completa.

A ameaça atinge desde grandes animais, como koupreys (um parente do boi domesticado, que pode atingir quase uma tonelada), até pequenos como morcegos e lêmures. Os primatas foram o grupo com maior número de espécies listadas. Entre gorilas-da-planície, chimpanzé, bonobo e outros, são 126 espécies caçadas que podem desaparecer, nos três continentes.

De acordo com o estudo, sai da Amazônia brasileira um total estimado de 89 mil toneladas de carne por ano, que equivalem a U$ 200 milhões (ou cerca de R$ 640 milhões). Número significativo, mas ainda menor do que as taxas de exploração na bacia do Congo, que chegam a ser cinco vezes maiores, segundo os pesquisadores. A perda destes mamíferos pode afetar a subsistência de milhões de pessoas e causar também problemas ecológicos.

A subsistência não é a única motivação para a caça de animais selvagens. Os pesquisadores relatam a existência de um mercado clandestino de carnes de caça, que chega inclusive à Europa. Eles lembram a apreensão de 5 toneladas de carne contrabandeada, no Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, em 2010.

Apesar de representarem apenas uma pequena porcentagem dos mamíferos listados, grandes carnívoros e herbívoros (com mais de 10 quilos) tendem a ser afetados mais severamente pela caça excessiva. A longo prazo, a perda destas grandes espécies pode causar mudanças ecológicas, como superpopulações de antigas presas e riscos mais elevados de doenças.

O estudo aponta que 57 grandes artiodáctilos (como hipopótamos, yaks, camelos e veados-do-pantâno) estão ameaçados pelo abate. Animais menores, que são importantes ecologicamente pelo papel crucial que desempenham na dispersão de sementes, polinização e controle de insetos, também estão listados. Entre os pequenos, os morcegos estão em maior número, são 27 espécies.

Medidas mitigadoras

Os autores do estudo apontam também caminhos para reduzir o impacto da caça sobre esses animais. Eles pedem penalidades mais severas para a caça ilegal e tráfico de animais e expansão de áreas protegidas para mamíferos ameaçados; direito de propriedade para populações que se beneficiam da presença da vida selvagem; alternativas para a alimentação, como espécies mais sustentáveis ou plantas ricas em proteínas; educação para os consumidores de carne de caça compreenderem as ameaças sofridas pelos mamíferos; e planejamento familiar em regiões onde mulheres desejam retardar ou evitar a gravidez.

Artigo disponível em: http://rsos.royalsocietypublishing.org/

 

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