MENINOS GARIMPEIROS

MENINOS GARIMPEIROS

Visivelmente emocionado e com grande dignidade, Icaro Valente, ribeirinho de 16 anos do estado de Rondônia, conta como perdeu escola, amigos e sonhos para o futuro. O ensino foi interrompido há 3 anos, bem antes da pandemia, por um caso de corrupção envolvendo a prefeitura de Porto Velho e a empresa de barcos que fazia o transporte dos alunos. E, pouco depois, veio o isolamento social…

A história de Icaro é uma entre as muitas relatadas no comovente documentário de 15 minutos, Meninos Garimpeiros. Impressiona a sinceridade, a tristeza discreta e a propriedade com a qual esses jovens se expressam.

Crianças tristes e adolescentes deprimidos em casa, balsas de garimpo se acumulando nos rios e oferecendo trabalho ilegal e mal pago – mas com pagamento garantido. Quem não pode estudar, precisa trabalhar, pensam as famílias. Icaro conta que viu crianças entre 10 e 12 anos trabalhando no garimpo. “Ali é o inferno”, ele diz, quase em lágrimas. 

Alguns desistiram de estudar. Outros acabam de voltar à escola, mas tudo mudou. Não há mais professores presentes. As aulas foram gravadas por professores que os alunos não conhecem, e que não conhecem as comunidades e as culturas locais. Não há como fazer perguntas. E como se não bastasse, frequentemente não há internet por até 5 dias, ou não há internet suficiente para baixar um vídeo.

Garimpo em vez de escola

O atual governo federal favorece o garimpo. Qualquer tipo de garimpo. Mas não só o governo federal. O governador de Rondônia, Cel. Marcos Rocha (sem partido) regulamentou com um decreto em 2021 o garimpo no Rio Madeira, afluente do Amazonas que atravessa o estado. O documento ainda revogou o decreto n° 5.197, de 29 de julho de 1991, que proibia extração de minério ou garimpagem no Rio Madeira.

O decreto revogado considerava que o garimpo do ouro degrada o Rio Madeira de forma irremediável com “a variação de qualidade da água, […] poluição das águas por óleo combustível, degradação do solo nas margens e ilhas, comprometimento de navegação fluvial e/ou atividades portuárias responsáveis pelo abastecimento de combustíveis das usinas termelétricas […], além de provocar a poluição do ar, do solo e da água pelo mercúrio”.

Rondônia, estado desde 1982

Rondônia, estado da Federação desde 1982, possui 0,8% da população do país, e produz 0,6% do PIB. Tem pouco mais de 1.800 milhão de habitantes, mais de um terço deles na capital Porto Velho. O estado confina com o Acre a oeste, o Amazonas ao norte, o Mato Grosso a leste e a Bolívia ao sul. 

Habitam o estado cerca de 60 tribos indígenas, algumas reduzidas a poucos indivíduos, após séculos de massacre. Além dessas, há 15 tribos isoladas e muitas terras ainda a serem demarcadas. 

A partir dos anos 70, o estado, impulsionado pelos projetos de colonização do governo militar, recebeu muitos camponeses de outras partes do país, atraídos por terras férteis a baixo custo. Além de estanho e outros minérios, o estado possui um rebanho de mais de 16 milhões de cabeças, e é um grande produtor de soja. O comércio de madeira é importante para a economia do estado, assim como a produção de café, arroz, feijão, cacau, milho e mandioca.

Rondônia é o segundo estado da Amazônia Legal que mais sofreu com o desmatamento em unidades de conservação e territórios indígenas nos últimos anos. As informações são do levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), publicado em fevereiro de 2022. Mais de 30% do território já foi desmatado. Muitos rios estão envenenados e os peixes morrem pelos agrotóxicos das plantações de soja do Mato Grosso.    

São muitas as tragédias, mas a maior delas é a das crianças e jovens ignorados pelo poder público, que anseiam por uma escola que lhes dê convívio com professores e amigos, além de formação e capacitação profissional. Uma escola, enfim, que lhes permita acalentar sonhos para o futuro.   

Veja aqui o documentário, produzido com o apoio da Amazônia Real e financiado pelo Amazon Rainforest Journalism Fund (Amazon RJF), em parceria com o Pulitzer Center.

Maristela Jardim Gaudio

Foto: Amazônia Real

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