Site Crisálida                                                   (antepassado do Ecovirada)

O Ecovirada nasceu do Crisálida, um site criado por uma equipe da UNICAMP e dirigido por Luiz Marques. Ainda que o formato tenha mudado, o Ecovirada mantém aqueles ideais mesmo saindo do âmbito acadêmico. Segue abaixo o texto que os definia. 

“Os seres humanos e o mundo natural estão em rota de colisão. As atividades humanas infligem danos, frequentemente irreversíveis, ao meio ambiente e a recursos naturais críticos. Se não forem revistas, muitas das nossas práticas atuais colocam em sério risco o futuro que desejamos para a sociedade humana e para os reinos das plantas e dos animais, e podem alterar de tal modo a biosfera que esta se tornará incapaz de sustentar a vida nos moldes em que a conhecemos.”

Texto presente em “Advertência dos Cientistas do Mundo à Humanidade”, proposta pela Union of Concerned Scientists do MIT por ocasião da ECO-92 ( Rio de Janeiro, junho de 1992 ), um documento assinado por 1.700 cientistas, incluindo a maioria dos laureados com o Prêmio Nobel em diversos campos das ciências[1]

Índice:

I – premissa
II – Criação e objetivos de um portal da Unicamp  
III – Estrutura do portal da Unicamp
IV –Os 17 Tópicos de Crisálida (grade temática)
V – Modus operandi

I – Premissa

1. A transversalidade do Antropoceno

O saber contemporâneo sofre hoje o impacto de uma situação completamente nova: o Antropoceno, o período da escala de tempo geológica em que ingressamos. O termo foi formalmente admitido em agosto de 2016 no  International Geological Congress em Cape Town, na África do Sul, após ser aprofundado pelos cientistas do Anthropocene Working Group, coordenada por Jan Zalaziewicz[2]. Na realidade, ele vinha sendo largamente difundido desde 2000, quando foi proposto por Paul Crutzen e Eugene Stoermer.  O Antropoceno é o período geológico caracterizado pelo fato de que a atividade antrópica tornou-se uma força geofísica mais relevante para os equilíbrios do sistema Terra que os impactos gerados por fatores não humanos[3].

Por sua própria definição, o Antropoceno abole os limites, antes claramente demarcados, entre o objeto das ciências da natureza e o objeto das Humanidades ou ciências do homem. Pela primeira vez na história humana e na história do planeta, as condicionantes decisivas do tempo geológico e do tempo histórico são fundamentalmente as mesmas. É doravante arbitrário, portanto, separar a esfera da natureza da esfera do homem e de sua história. Do comportamento humano depende, hoje, em última instância, o destino da biosfera e, portanto, em ricochete, o destino do próprio homem. Da nova e mais íntima interligação entre classes de fenômenos – isto é, dos objetos das diversas disciplinas –, dessa convergência das variáveis outrora autônomas numa nova e imbricada estrutura antropocênica do mundo decorre logicamente a necessidade de uma redefinição da armadura do saber. O Antropoceno recoloca a questão da unidade do mundo e da unidade homem/mundo não mais a partir de uma presunção metafísica, mas a partir de um novo princípio concreto, mensurável e eficiente de causação.

 2. A religação dos saberes

Essa nova situação epistemológica deve provocar na Universidade um sobressalto e mesmo um movimento sísmico. O sismógrafo intelectual acusa algo desse movimento, mas talvez não na rapidez e na amplitude requeridas.

O comportamento dos fenômenos da vida é hoje ininteligível sem que se leve em conta a intervenção de variáveis humanas numa escala jamais imaginada. E, inversamente, a atividade social é, e será cada vez mais, limitada, acuada pela resposta de uma biosfera diminuída e desequilibrada por essa atividade. Por conseguinte, as ciências do homem devem se apressar em rever seus paradigmas de origem, em aprender e incorporar elementos das ciências da natureza em suas análises sobre a sociedade. E, inversamente, estas ciências da natureza devem se familiarizar com o latim das ciências do homem, sem o qual suas análises e suas projeções do comportamento futuro das curvas nos desequilíbrios da biosfera e das estruturas geofísicas do planeta não serão confirmadas pela realidade. E isto pelo simples fato de não levarem em conta as probabilidades de comportamento da variável dominante: o comportamento das sociedades humanas determinado por seus inerentes conflitos.

O imenso salto de escala na interação homem-natureza, ocorrido ao longo da segunda metade do século XX, tem implicações decisivas para todas as áreas do saber e não menos para a articulação interna do saber. Essa unidade não é mais agora apenas um axioma circunscrito à esfera da biologia (o nível da espécie) ou apenas um tema de reflexão histórica, filosófica, antropológica e estética desvinculada da pertença do homem à biosfera. A emergência de um novo tipo de continuidade entre as categorias homem e natureza tenderá a constituir doravante o problema filosófico e o objeto central do pensamento crítico e científico.

À Universidade cabe a responsabilidade imensa e inalienável de pesquisar, refletir, debater e propor soluções às crises socioambientais que se avolumam no Antropoceno.

Assumir essa responsabilidade supõe, contudo, a satisfação de uma premissa fundamental: a “religação dos saberes”[4] em torno das crises socioambientais, perspectiva central que funda (ou refunda) um campo cooperativo e integrador de todas as disciplinas. Sem um esforço de religação dos saberes, não se produzirá a sinergia intelectual imprescindível para a formulação de respostas, dentro e fora da Universidade, à altura dos desafios socioambientais que nos confrontam.

Mesmo que discussões concertadas entre áreas científicas e tecnológicas diversas – como ciências da saúde, ciências da natureza e exatas, engenharias, humanidades e artes – possam, num primeiro momento, carecer de uma linguagem comum ou possam mesmo produzir, explicitar ou até ampliar dissonâncias, essas discussões devem ser encetadas, pois são imprescindíveis do ponto de vista teórico e prático. Em conclusão, e como bem afirma Michel Serres, hoje “as ciências humanas e sociais tornaram-se uma espécie de subseção das ciências da Vida e da Terra. E a recíproca é verdadeira”[5].

 II – Criação e objetivos de um portal da Unicamp

Baseando-se nesta premissa e neste documento, bastante difundido na comunidade acadêmica, a reitoria da Unicamp nomeou um Grupo de Trabalho composto de 16 membros, entre docentes e pesquisadores da Unicamp para a criação, normatização e desenvolvimento de um portal multimídia e interdisciplinar voltado para a divulgação e o aprofundamento do conhecimento científico, do debate, das práticas e das políticas públicas ligadas às questões socioambientais.

Aberto à participação de toda a sociedade e ambicionando ampliar o diálogo com a Universidade, esse portal convoca em particular os professores, pesquisadores e estudantes desta nossa e de outras Universidades a lhe dar uma especial contribuição. Ele pode se inspirar, guardadas nossas especificidades, num modelo consagrado e de grande valia, o portal da Universidade de Yale, intitulado Yale environment360 (http://e360.yale.edu/).

Objetivos

A criação e desenvolvimento de um portal da Unicamp devotado às questões socioambientais tem por objetivo elaborar um mosaico de informações – constituído por textos, gráficos, imagens, podcasts, vídeos e filmes – susceptíveis de sugerir um panorama do estado atual e da evolução dos saberes sobre as crises socioambientais. Esta meta geral articula-se em três objetivos particulares:

  1. oferecer uma plataforma de agregação de informações e de divulgação científica sobre o conjunto das questões ambientais, em âmbito nacional e internacional, que mobiliza a sociedade e em particular a comunidade acadêmica. Há diversas agências de notícias socioambientais, algumas excelentes e já consolidadas, dentro e fora do Brasil – Manchetes Socioambientais (ISA), Envolverde, O ((eco)), InfoAmazônia, Observatório do Clima, Daily Climate, Mongabay etc. – com as quais o portal da Unicamp interagirá. Faz falta no momento uma caixa de ressonância universitária dessas agências de notícias socioambientais, função que esse portal pode e deve cumprir, além de produzir suas próprias notícias. Essa dupla atividade de divulgação e produção de informação pode ocorrer tanto em português quanto em outras línguas (inglês, espanhol, francês e italiano);
  1. promover um fórum de discussões aprofundadas acerca das questões e das crises socioambientais. Esse fórum deve contar com contribuições não apenas de professores e pesquisadores da Unicamp, mas de trabalhos emanando de outros centros nacionais e internacionais e outros horizontes de saber.
  1. elaborar a pauta e a ementa de encontros regulares da Unicamp, virtuais e/ou presenciais, centrados nos diversos temas das crises socioambientais.

III – Estrutura do portal da Unicamp

A estrutura informacional do portal dispõe-se nos seguintes campos que o estruturam visualmente:

  1. Notícias Socioambientais: informações colhidas na imprensa, em outros “sites” e nos serviços jornalísticos da Unicamp, além de informações fornecidas pelos próprios Institutos, Faculdades e núcleos de pesquisa da Universidade, seguidas (eventualmente) de breves comentários;
  2. Artigos de fundo, análises, entrevistas, papers etc
  3. Outras mídias (filmes, televisão, podcasts, com eventual ênfase na transmissão em tempo real (ou na forma de arquivos) de encontros sobre a problemática das crises socioambientais.
  4. Atalhos remetendo a “sites” já existentes em rede, no intuito de constituir uma biblioteca virtual multimídia de informação e estudos socioambientais.
  5. Interação entre os usuários (produtores de conteúdos e leitores)

IV – Os 17 Tópicos de Crisálida (grade temática)

1. Biodiversidade
(Diminuição, degradação e restauração das florestas, defaunação e empobrecimento da biodiversidade, tráfico de espécies silvestres, sobrepesca, acidificação e eutrofização do meio aquático)

 2. Água, solos e insegurança alimentar
(Quantidade e qualidade do abastecimento hídrico, uso doméstico, agropecuário e industrial dos recursos hídricos, erosão e desertificação dos solos, produtividade agrícola)

3. Saneamento ambiental
(resíduos, efluentes, poluição e intoxicação industriais)

4. Energia
(combustíveis fósseis, biomassa, hidrelétricas e energias de menor impacto)

5. Mudanças climáticas
(emissões de gases de efeito estufa, aquecimento global na superfície da terra e nos oceanos, degelo, liberação de metano, elevação do nível do mar, eventos meteorológicos extremos, furacões, tornados, etc)

6. Demografia
(Transição e pressão demográfica, fecundidade, urbanização, habitação, mobilidade urbana e segurança ambiental)

7. Globalização
(Economia, padrões de consumo e (in)sustentabilidade ambiental).

8. Populações indígenas
(As crises socioambientais vistas pelas populações indígenas e pelas comunidades locais)

9. A técnica e as crises ambientais
(A tecnologia como fator de intensificação ou de mitigação das crises ambientais)

10. Diplomacia e governança global
(A implementação do Acordo de Paris e de outros acordos internacionais a respeito das crises ambientais)

11. O ativismo socioambiental
(A pressão da sociedade civil organizada sobre o Estado e sobre as corporações, e a democratização do acesso à informação ecológica, à alimentação e a bens de menor impacto ambiental. Ação e imaginação políticas em prol da contenção/superação das crises ambientais)

12. Educação e conscientização ecológicas

(Ações educativas voltadas à construção de valores sociais, atitudes, conhecimentos voltados à conscientização ecológica e seus compromissos)

13. Colapso socioambiental/ perspectivas históricas

(A historiografia sobre os colapsos socioambientais anteriores e a literatura científica ou de divulgação científica sobre as projeções futuras)

14. Cidades

(Urbanização e vida urbana contemporânea; planejamento, saneamento, energia, abastecimento, mobilidade, habitação, resiliência, convivência, cultura urbana; perspectivas diante do aumento gradual da população urbana)

15. Arte e filosofia
(A criação e a reflexão filosófica e artística sobre as crises socioambientais)

16. A biosfera como sujeito de direito
(Bem-estar animal e a discussão ética e jurídica sobre os direitos dos animais)

17. A religação dos saberes
(Perspectivas transversais e interdisciplinaridade no Antropoceno)

V – Modus operandi

Crisálida deve operar a partir da mediação de uma Comissão de professores de diversos Institutos, encarregada de coordenar e avaliar a inserção dos conteúdos. Além disso, uma pequena equipe de estudantes dotados de bolsas de auxílio pode se encarregar da operacionalização do portal.

Notas

[1] Veja-se <http://www.ucsusa.org/about/1992-world-scientists.html>.

[2] Cf. A Stratigraphical Basis for the Anthropocene, coordenado por C.N. Waters, J. A. Zalasiewicz, M. Williams, M.A. Ellis e A. M. Snelling. Londres, Geological Society, 2014. Veja-se anteriormente Will Steffen, Jacques Grinevald, Paul Crutzen, John McNeill, “The Anthropocene: conceptual and historical perspectives”. Philosophical Transactions of the Royal Society, 369, 2011, pp. 842-867.

[3] Cf. Paul Crutzen, “The Anthropocene. Geology of mankind”. Nature, 415, 6867, 2002, p. 23; Idem, “The Anthropocene”, in E. Ehlers, T. Krafft (orgs.), Earth System Science in the Anthropocene: Emerging Issues and Problems. New York: Springer, 2006. O termo surge pela primeira vez com Andrew Revkin, Global Warming: Understanding the Forecast. American Museum of Natural History, Environmental Defense Fund. New York: Abbeville Press, 1992. Desde 2008, o conceito era já amplamente aceito pela comunidade científica. Cf. J. Zalasiewicz, M. Williams et al., “Are we now living in the Anthropocene?”. GSA Today, 18, 2, 2008, pp. 4-8: “The term Anthropocene, proposed and increasingly employed to denote the current interval of anthropogenic global environmental change, may be discussed on stratigraphic grounds. A case can be made for its consideration as a formal epoch in that, since the start of the Industrial Revolution, Earth has endured changes sufficient to leave a global stratigraphic signature distinct from that of the Holocene or of previous Pleistocene interglacial phases, encompassing novel biotic, sedimentary, and geochemical change”. Veja-se:

http://www.geosociety.org/gsatoday/archive/18/2/pdf/i1052-5173-18-2-4.pdf.

[4] Cf. Edgar Morin, Relier les Connaissances. Paris, Éditions du Seuil, 1999. Tradução portuguesa, A religação dos saberes. O desafio do século XXI. São Paulo, Bertrand Brasil, 2013.

[5] Cf. Michel Serres, Temps des crises. Paris, Le Pommier, 2009, p. 98.

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