Emergência Climática: como lidar com a negação?

“Negação” é uma palavra que tem sido muito usada nos últimos tempos.  

Na maioria das vezes nos remete a termos pejorativos: pessoas “ignorantes” ou “iludidas” que não têm as informações corretas. E isto vale para negadores da covid, de resultado de pleito eleitoral, do clima, e da ideia de que interesses ambientais e econômicos não andam de mãos dadas.  

Mas a psicologia descobriu há muito tempo que os humanos eram capazes de saber algo e não saber algo ao mesmo tempo – ter informações, mas viver como se não soubessem. Não é surpresa que sejamos propensos à negação quando é difícil mudar nosso estilo de vida. Assim sendo, a ciência evoca medo ou culpa em nós.

Outra questão que, talvez, tenha se propagado também, infelizmente, é que ciência do clima tornou-se, de alguma forma, intimamente ligada à política partidária. Sendo assim, tornou-se uma questão de identidade. “Eu pertenço a esse grupo político com valores políticos específicos que me orientam. E se a ciência do clima sugerir soluções envolvendo mais impostos, mais regulamentações para proteger a atmosfera, mais limitações, isso pode entrar em conflito com meus valores e minha identidade. Então, a ciência deve estar errada”.

As pessoas protegem sua identidade contra fatos ameaçadores. Isto é reforçado pelo que chamamos de “viés de confirmação”. O que pode tornar o mundo, o entorno, “mais previsível e seguro”, porém, torna-o também mais estreito. Há uma dificuldade de sair deste lugar aparentemente “seguro”, mas que aprisiona, sem que a pessoa tenha ideia de que isto esteja acontecendo.

Todos nós tendemos a buscar fatos, informações e especialistas que confirmem nossos valores, e a ignorar fatos e especialistas que são contrários a eles. 

Emergência Climática: como lidar com a negação?
Crédito: Unsplash

O que fazer diante disto? 

Certamente, o primeiro passo, é sermos exemplos na nossa vida, no nosso dia a dia, dos conhecimentos e crenças que temos. Para, claro, sermos íntegros e coerentes com nossos valores. 

“Seja a mudança que quer ver no mundo”, já dizia Gandhi na sua famosa frase.

Um estudo realizado em 2018 pela Opower (hoje, Oracle), junto com pesquisadores de diversas universidades, concluiu que “as pessoas usam menos energia quando pensam que seus vizinhos se preocupam com o meio ambiente”. 

Levando isto em consideração, uma maneira de conscientizar as pessoas não seria só tentar mudar as crenças delas sobre emergência climática. A motivação maior nasce quando elas veem que seus vizinhos se preocupam com estas questões também. 

Portanto, o impacto é maior se as pessoas perceberem que uma “atitude climática” vem de alguém que é como elas ou faz parte de seu grupo social,  do que se vem de fora, de um cientista, um acadêmico ou um ativista, por exemplo.  

Conversa positiva e orientada para solução

Temos que ser os agentes de mudanças que desejamos ver na sociedade. Além de sermos exemplos, na prática, podemos também mudar nossa forma de falar sobre as emergências climáticas. A história do apocalipse afasta as pessoas. Há outras histórias que parecem ser mais envolventes. 

Como a história de um crescimento mais inteligente e mais eficiente em termos de recursos, com novas possibilidades de emprego e expertises, onde reduzimos o desperdício enquanto melhoramos nossas vidas.

Outro ponto de vista, também, poderia ser: colocar que o que realmente procuramos na vida não são mais coisas, mas a “vida boa”. A “vida de qualidade” inclui melhores relacionamentos, empregos mais significativos e conexão com a natureza.

Outro, ainda, seria a história da ética. A mudança do domínio sobre a natureza para a esfera espiritual. Como o Papa fez com sua encíclica, onde fala que é necessário cuidar da criação de Deus. Veja também como os budistas se relacionam com a natureza. “Há toda uma visão da interdependência entre os seres, na contramão do egocentrismo que ameaça o mundo. Não é, porém, preciso ser budista para aliar-se a esse projeto”, lemos no artigo publicado neste site.  

Ou então a história do rewilding, termo cunhado academicamente em 1998 pelos biólogos conservacionistas norte-americanos, Michael Soulé e Reed Noss.  

Em termos gerais, o trabalho de rewilding se dá a partir de duas importantes intervenções humanas: na remoção de barreiras que impedem a natureza de prosperar – isso inclui estruturas físicas, construções ou até mesmo o desmatamento; e na reintrodução de importantes espécies em seus habitats. 

Há uma tendência de rewilding em algumas metrópoles do mundo. Dê uma olhada neste artigo.

Todas as histórias são legítimas e verdadeiras. Algumas pessoas respondem mais fortemente a uma história do que a outra. O objetivo é uma conversa positiva e orientada para soluções. Mas temos que aprender a realmente ouvir a pessoa. Nós também não podemos negar sua experiência de realidade, de onde parte o seu ponto de vista. Não podemos mudar algo que fingimos que não existe.

Mas quanto mais falamos sobre isso, mais clara e possível fica a visão, para nós e para nosso círculo social, de uma sociedade futura sem toda esta destruição ambiental e climática. Quem sabe, assim, conseguimos superar a negação e,consequentemente, a inércia.

Joana Curvo

Fonte: 

How to Overcome “Apocalypse Fatigue” Around Climate Change

Apocalyps Fatigue: Ted Talk do psicólogo e economista norueguês, Per Espen Stokes,  que estuda as defesas que usamos para evitar pensar no fim do nosso planeta. Stokes pesquisou novas maneiras de falar sobre o aquecimento global. Segundo ele, o maior obstáculo para lidar com as emergências climáticas está nos ouvidos.