O movimento ambiental contemporâneo intensificou-se no final do século XIX diante das consequências para a saúde que a poluição gerada pela Revolução Industrial poderia causar. Desde o início dos anos 1970, o ativismo ambiental – totalmente contrário ao modelo capitalista de desenvolvimento econômico, que destrói os recursos do planeta – vem articulando ações de protesto que intencionam obter a máxima atenção para suas reivindicações, com os protagonistas por vezes arriscando a vida em ações atrevidas e perigosas, ressaltando assim a relevância de suas causas.
No dia 31 de dezembro de 2021, a usina nuclear de Brokdorf, no extremo norte da Alemanha, foi fechada. Ativistas e pessoas contrárias à energia nuclear se reuniam todo dia 6 de cada mês, por mais de três décadas e meia, em frente ao portão da usina, com faixas pedindo o desligamento dos empreendimentos nucleares e cantando canções de paz para homenagear as vítimas das catástrofes nucleares; exigiam a desativação do reator, o que conseguiram após a 425 ª vigília. Este reator era um dos mais produtivos do mundo e foi construído em meio ao crescente movimento antinuclear da década de 1980. Por várias vezes os manifestantes entraram em confronto com a polícia, principalmente após o acidente nuclear de Chernobyl, que em 1986 provocou em toda a Alemanha o aumento dos níveis de radiação no solo e nos alimentos. A Alemanha, ao contrário de outros países como a França, os Estados Unidos e a China, tem um programa de eliminação progressiva de energia nuclear.
Por vezes os ativistas têm ações mais radicais, como a iniciativa do grupo Scientist Rebellion, que reúne mais de 1200 cientistas em 26 países. Em abril de 2022, o cientista climático da NASA Peter Kalmus e outros especialistas acorrentaram-se a um dos portões do banco JP Morgan Chase, no centro de Los Angeles, por este ser o banco que mais financiou combustíveis fósseis entre 2016 e 2021. Afirmando que o colapso da Terra é muito pior do que a maioria das pessoas imagina, Kalmus fez um discurso emocionado: “Estou aqui porque os cientistas não estão sendo ouvidos, estamos tentando dizer a vocês todo este tempo. Estou disposto a correr riscos por este lindo planeta. Pelos meus filhos, para todas as crianças do mundo, todos os jovens, todas as pessoas do futuro. Isso é muito maior do que qualquer um de nós”. Os cientistas foram presos por um batalhão de soldados e libertados em seguida.
Grandes organizações e performances ativistas
Greenpeace
A organização internacional ecológica Greenpeace foi criada em 1971, em Vancouver (Canadá), e desde 1979 está sediada em Amsterdam (Holanda); atualmente encontra-se presente em mais de 55 países. O Greenpeace começou a tornar-se conhecido ao eleger as baleias como símbolo da ecologia, tendo assim recebido muitas doações. As imagens da atriz Brigitte Bardot usando um macacão laranja, o uniforme dos militantes do Greenpeace, foram extremamente divulgadas, e a repercussão do afundamento do Rainbow Warrior, navio-almirante da entidade, pelo serviço secreto francês, acabou transformando o Greenpeace na mais conhecida organização de proteção ambiental do mundo. Recorrendo a métodos não violentos para expor as ameaças ao meio ambiente, conseguiu algumas conquistas, como vetar a exportação de lixos tóxicos para países menos desenvolvidos, a criação de um santuário de baleias e a proibição do despejo no mar de resíduos nucleares.
Em janeiro de 2017, o pianista e compositor italiano Ludovico Einaudi, bastante conhecido pelas trilhas que compôs para filmes e seriados, criou uma música e a executou, instalado em um iceberg artificial construído em madeira, em meio aos icebergs naturais do Ártico; tratava-se de uma campanha do Greenpeace para salvar a região diante da exploração do petróleo, da pesca destrutiva e do derretimento das geleiras que afeta todo o mundo.
Mais de 200 ativistas do Greenpeace e da Extinction Rebellion, entre 500 manifestantes presentes, foram presos, em novembro de 2022, no aeroporto de Schiphol-East, na Holanda, em um espaço reservado a jatos particulares. Eles invadiram o local escalando as cercas com escadas e se sentaram sob jatos particulares para impedir que decolassem, sendo que alguns ativistas chegaram a se acorrentar às aeronaves.
Em protesto aos planos do governo do Reino Unido, que permitiu a perfuração de poços de petróleo e gás no Mar do Norte, ativistas ambientais ligados ao Greenpeace estenderam, no dia 3 de agosto de 2023, um pano preto sobre a fachada da mansão privada do primeiro-ministro britânico, localizada em Richmond. Além de usarem 200 metros quadrados de “tecido preto como óleo” para cobrir parte da mansão, também estenderam uma faixa no gramado que dizia: “Rishi Sunak – Lucros do petróleo ou nosso futuro?” Esse ato foi realizado durante um verão com ondas extremas de calor no sul da Europa, regiões dos EUA e no sudeste da Ásia, resultantes do desequilíbrio climático provocado pelo homem.
Greenpeace no Brasil
No Brasil, várias manifestações do Greenpeace aconteceram no Cristo Redentor. Ao ocuparem um local bastante alto que abençoa a cidade do Rio de Janeiro, as intervenções na grande estátua unem o respeito à natureza a uma determinação divina. Em setembro de 2002, alpinistas escalaram o Cristo e estenderam em seus braços uma faixa com os dizeres “Rio+10 = segunda chance”, referindo-se à Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johannesburgo naquela época; aludiam aos dez anos que se passaram após a ECO92 no Rio, cobrando iniciativas ecológicas mais efetivas.
Três anos e meio depois, seis integrantes do Greenpeace colocaram outra faixa nos braços da estátua, com a frase “O Futuro do Planeta está em Suas Mãos”, alertando sobre a grande perda da biodiversidade e os riscos dos transgênicos, procurando assim sensibilizar as autoridades de todo o mundo que estavam reunidas em Curitiba para definir medidas de proteção à vida na Terra.
Com o avanço da tecnologia, as faixas deram lugar às projeções, e em julho de 2023 foi exibida no corpo do Cristo a contagem regressiva para o tempo restante que temos para impedir que o aquecimento global alcance 1,5°C. Se o ritmo de emissões de gases de efeito estufa não for alterado, o prazo para que o prejuízo ambiental seja irreversível termina em 2029.
Sea Shepherd
Sea Shepherd Conservation Society (com a sigla SSCS) é uma organização sem fins lucrativos, que trabalha na preservação de seres e ecossistemas marinhos, salvaguardando a biodiversidade e o frágil equilíbrio dos oceanos . É sediada em Friday Harbor, Washington (EUA), e foi fundada em 1977 por Paul Watson, um antigo membro do Greenpeace que se retirou dessa organização por não lhe permitir o uso de táticas de intervenção mais agressivas. Recebe muitas doações, inclusive de celebridades como o conjunto de rock Red Hot Chilli Pepers.
Dispondo de várias embarcações, realiza operações de investigação, documentação e intervenção em todo o mundo. Seus principais objetivos são: obstruir a caça de focas no Canadá e na Namíbia, sabotagem e afundamento de barcos baleeiros que violam as leis internacionais, ofuscamento de baleeiros com laser e apreensão e destruição de redes-derivantes (que se estendem por quilômetros e também podem matar mamíferos marinhos). A SSCS afirma que essas ações mais drásticas são necessárias porque os governos de todos os países não aplicam as leis estabelecidas diante das atividades ilegais em alto-mar. Seus ativistas são considerados eco-terroristas por alguns governos, como o do Japão.
Conhecida como guardiã das focas, a Sea Shepherd tem lutado contra a caça às focas desde seu início. Além do uso da pele dos animais em vestuário, o governo canadense planejava exportar pênis de focas para o comércio afrodisíaco asiático. A organização tornou-se bastante conhecida quando, em 1979, foi às Ilhas Madalena, no Canadá, e jogou spray de tinta vermelha em mais de mil focas, procurando inviabilizar o comércio de suas peles, o que resultou na prisão de Watson e sua equipe. Dois anos depois ele volta ao mesmo local, desobedecendo as ordens de manter-se afastado, e aplica spray azul nas focas. Em 1983 o Parlamento Europeu proibiu a comercialização de peles de focas, mas em 1995 o governo canadense autoriza a volta da caça a esses mamíferos. O afundamento de embarcações baleeiras, principalmente islandesas e norueguesas, e as diversas ações da SSCS, que vêm se estendendo por várias décadas, mantiveram a caça às baleias nos noticiários em todo o mundo.
Ativistas brasileiros
Eduardo Srur
Eduardo Srur é um artista plástico paulistano que trabalha com pinturas, gravuras, esculturas, múltiplos e fotografias. Tornou-se conhecido pelas oficinas com crianças e público espontâneo, mas principalmente por suas obras dispostas no espaço público, visando alertar para questões ambientais e para como se dá a vida nas metrópoles.
Srur já realizou várias intervenções urbanas em grande escala – interferindo em pontes e viadutos, rios e represas poluídos, parques públicos e terrenos baldios – com o intuito de “tirar a população paulistana de uma certa anestesia cotidiana”, como afirma. Dentre suas intervenções na cidade de São Paulo, instalou dezenas de caiaques tripulados por manequins de plástico nas poluídas águas do rio Pinheiros (2006) e também lá apresentou a obra Pintado (2019), uma grande escultura na forma de um peixe que vivia na região antes da contaminação das águas. Criou instalações na forma de garrafas PETS gigantes nas margens do rio Tietê (2008) e também construiu um grande labirinto constituído de resíduos sólidos no parque do Ibirapuera (2012). Realizou várias intervenções em Cuba e na Europa – França, Suíça, Espanha, Holanda, Inglaterra e Alemanha.
Uma de suas atuações mais significativas foi em 2015, no maior aquário da América do Sul, o Acqua Mundo, no Guarujá. A instalação Aquário Morto apresentou o aquário panorâmico da sala principal dividido ao meio, sendo habitado de um lado pelos peixes que já viviam lá e a outra metade foi ocupada pelo lixo – composto dos mais diversos materiais, principalmente plástico – coletado nas praias da região. As pessoas se chocavam com aquela cena inesperada e talvez tenham refletido sobre o descaso que se tem com as praias.
Thiago Cóstzackz
De origem tcheca e indígena, Thiago Cóstzackz é um artista plástico multimídia que realiza esculturas, intervenções e documentários, trazendo sempre a preocupação ambiental. Idealizou, e participou, de mais de 50 ações pelo Brasil e em diversos países, como Rússia, Islândia, Estados Unidos e Itália.
Criou obras para shows de grupos famosos de rock, como o The B-52s e para a banda irlandesa The Cranberries; Roger Waters convidou-o para realizar uma performance ambiental em um espetáculo para 60 mil pessoas, em 2012, no Estádio do Morumbi, durante a apresentação do musical “The Wall”. Faz palestras nas escolas contando o que observou em viagens, para que as crianças saibam dos problemas do planeta que estão começando a conhecer.
Cóstzacks também produziu filmes: Caminhando sobre a Terra – Uma viagem a dez lugares ameaçados no planeta (2013) é uma síntese dos 60.000 km que percorreu ao redor do mundo e por vários ecossistemas brasileiros. Foi considerada das primeiras expedições artística e cientifica já realizada com esta amplitude.
A Terra de Frente é o segundo filme que realizou como diretor e roteirista, com sua ONG SOS Terra, mostrando problemas ambientais que impactam e interconectam a Amazônia e a Groenlândia. Além de instalar obras que se relacionavam com questões ecológicas dessas regiões, realizou performance sobre um iceberg do Oceano Glacial Ártico (usando roupas inspiradas nos grafismos do povo indígena Potiguaras, do Rio Grande do Norte) e uma dança cerimonial com indígenas Tuyucas na Floresta Amazônica brasileira, buscando alertar sobre o consumo desenfreado. O filme exibe entrevistas com lideranças indígenas e cientistas.
Concebeu várias esculturas, como Cactus on Ice, feita em acrílico translúcido reciclável, e Trash Coral, objetos minimalistas de porcelana, que alertam para o lixo plástico nos oceanos e para o branqueamento e extermínio de corais.
Realizou a performance Oceano Plástico, quando exibiu um balão de sete metros em forma de baleia, contendo vários sacos plásticos em seu interior, para alertar sobre a quantidade desse material que se encontra nos mares e os malefícios que causam para a vida subaquática. No centro de São Paulo, apresentou Salve-me (2014),com infláveis como um polvo gigante e projeções noturnas em antigos prédios, mostrando animais e florestas em risco.
Atacar obras de arte e veicular notícias falsas, novas táticas dos ativistas
As intervenções ambientais do século XXI destinam-se a criar cenas para serem transmitidas pelas redes sociais, que se ramificam por todos os lados e espalham a ação pelo mundo em instantes, convidando as pessoas a se manifestarem; quanto mais vistas essas imagens, mais eficaz será considerada a iniciativa.
Normalmente as intervenções ecológicas se caracterizam por serem realizadas dentro de ambientes ameaçados ou atuando contra a presença de elementos que agridem a natureza, explicitando-os no ato da performance. No caso do ataque a obras de arte consideradas patrimônio da humanidade, a comoção causada pelo ato repercute bastante nas mídias, causando indignação. Pinturas famosíssimas foram agredidas como forma de protesto ambientalista: na “Mona Lisa”, de Leonardo Da Vinci, jogaram uma torta; em “Os Girassóis”, de Van Gogh, sopa de tomate; “Les Meules”, de Monet, recebeu purê de batatas e ‘Morte e Vida’, de Klint, tinta preta. Isto começou na França, com ações entre maio e outubro de 2022, mas depois se espalhou, tornando-se uma prática habitual. Como as pinturas são protegidas por películas de vidro, os ativistas escolhem justamente essas obras; não houve nenhum dano permanente, mas fica registrada a encenação do ataque. Há diversos grupos atuando por causas ambientais variadas, entre eles o britânico Just Stop Oil, que conta com a participação da neta de John Paul Getty, magnata do petróleo, sendo a família Getty proprietária de significativa coleção de arte. A organização argumenta que “A inação do governo em relação às mudanças climáticas é uma sentença de morte para todos nós”.
As obras de arte são propriedades de museus ou de coleções particulares, enquanto as reivindicações de preservar as condições ambientais tratam de um bem comum a todos, que está sendo danificado pela iniciativa privada não sustentável e pela conivência de governos inconsequentes. Essas iniciativas almejam provocar um choque para que as pessoas sintam a agressão ao meio ambiente como equivalente a um desastre cultural dessa magnitude.
Na Itália, os ativistas atacaram a fachada de vários prédios e monumentos históricos. Os métodos usados incluem sujar com tinta lavável, colar as mãos em obras de arte e jogar água com carvão em fontes, sem causar danos significativos. Apesar de estas ações terem muita repercussão, o que mais incomoda a população são as atitudes que impedem o fluxo dos veículos. Dos mais atuantes, o grupo Ultima Generazione reivindica a suspensão do financiamento público a combustíveis fósseis, sendo a Itália o país europeu em que há o maior aporte; o governo reage tentando criminalizar os atos desses ativistas, chamando-os de ecovândalos. O prefeito da cidade alemã de Hannover, em fevereiro de 2023, fez um pacto com o grupo Letzte Generation e conseguiu suspender os protestos nos quais os manifestantes se grudavam no chão das ruas, enraivecendo os motoristas.
Um grupo ativista que se intitula Organização de Libertação da Barbie articulou, no início de agosto de 2023, releases e falsos anúncios como se fossem da Mattel, grande fabricante de brinquedos, afirmando que até 2030 a empresa não usaria mais plástico; além disto, a Mattel estaria lançando bonecas que se decompõem, feitas de materiais orgânicos como cogumelos, algas e argila. Importantes veículos noticiosos americanos foram enganados pela falsa campanha e publicaram artigos sobre as novas bonecas, retratando-se depois. Além disto, aproveitando o lançamento do filme Barbie, a organização realizou clipes, dentre os quais a atriz e ativista ambiental Daryl Hannah recolhe numa praia uma boneca cheia de cracas e afirma que “Barbie e eu temos mais ou menos a mesma idade, só que ela nunca vai morrer”, explicitando que há mais de um bilhão de unidades da boneca de plástico jogadas em aterros sanitários, rios e lagos pelo mundo. A Mattel qualificou a campanha como uma farsa e questionou-se o aspecto ético de promover informações falsas a favor do ativismo. A organização que articulou a campanha disse que foi uma sátira e havia desde o início a intenção de esclarecer que a Mattel não era a responsável pelo anúncio.
Algumas performances ambientais tornaram-se inesquecíveis pela inventividade, pela audácia, pelo destemor, porém não foram suficientes para conscientizar os habitantes das nações mais desenvolvidas do perigo que estamos correndo. Uma atuação incisiva da coletividade, exigindo que os governantes e os proprietários das grandes empresas respeitem o que pertence a todos, será provavelmente nossa única esperança.
Roberto Cenni, setembro de 2023
Imagem: Embarcação do Sea Shepherd.