Agrotóxicos: a miopia continua

“Fazendeiros estão jogando grandes quantidades de agrotóxicos de avião sobre a floresta Amazônica e outros biomas”. Esta reportagem de novembro de 2021, realizada pela plataforma brasileira de jornalismo investigativo, Agência Pública, e a organização não governamental, Repórter Brasil, mostrou que “nos últimos 10 anos, cerca de 30 mil hectares de vegetação nativa foram envenenados. A área corresponde a 30 mil campos de futebol.”  

Em maio de 2022, as duas organizações revelaram também que há um crescimento na utilização de drones para pulverização aérea de pesticidas. A deriva da pulverização de avião, quando o agrotóxico é empurrado pelo vento para outros lugares, já intoxicou tribos indígenas e crianças de comunidades rurais em alguns Estados. Por isto, esta prática foi proibida em várias cidades e no Ceará. 

E vamos lembrar que um número recorde de novos agrotóxicos foi aprovado no Brasil nos últimos três anos, desde que o Presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder.

“Spray de material venenoso”: Os alertas de Rachel Carson

E pensar que já nos advertia lá em 1958, a escritora e bióloga marinha, Rachel Carson (1907-1964), que umas das consequências da ciência e tecnologia em tempo de guerra foi o uso generalizado do agrotóxico DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), inicialmente destinado a proteger os soldados dos mosquitos transmissores da malária. 

Depois do fim da guerra, o produto químico tóxico virou uma substância “milagrosa”. As pessoas foram pulverizadas com DDT para evitar doenças e os aviões encharcaram os terrenos agrícolas para dizimar as pragas e maximizar o rendimento das colheitas.

Com a morte de santuários selvagens e a partir de várias histórias trágicas a ela relatadas, Carson escreveu um dossiê de evidências dos efeitos nocivos de produtos químicos tóxicos na vida selvagem e na vida humana. 

Agrotóxicos: a miopia continua
Foto de Linford Mill Miles em Unsplash

O chamado de ‘Primavera Silenciosa

Em 1962, Carson lançou Silent Spring (Primavera Silenciosa) – o livro que acendeu o movimento de preservação, inspirou gerações de ativistas e despertou a consciência ambiental como a conhecemos hoje. O livro foi publicado dezoito meses antes de sua vida ser interrompida por um câncer, e levou à criação do Dia da Terra e à fundação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. 

Silent Spring chamava atenção para um governo negligente que fechava os olhos deliberadamente para suas responsabilidades regulatórias e uma indústria agrícola e química determinada a maximizar os lucros a todo custo. 

Os incomodados pelas palavras de Carson a atacavam violentamente. Eles usavam todos os meios à sua disposição – uma campanha de propaganda destinada a desacreditá-la, bullying no seu editor, e a acusação mais frequente de todas: a de ser mulher. 

Agrotóxicos: a miopia continua
Foto de Rachel Carson do Wikimedia Commons

Só para dar um exemplo. O agricultor e ex-secretário de Agricultura dos Estados Unidos da época, Ezra Taft Benson, que mais tarde se tornaria Profeta da Igreja Mórmon, perguntou: “Por que uma solteirona sem filhos estava tão preocupada com a genética?” Ele mesmo ofereceu uma resposta: porque ela era comunista. 

Ser mulher, solteira, sem filhos, eram tiros muitas vezes arremessados em Carson na tentativa de corroer sua credibilidade. 

Há alguma relação entre a vida pessoal de uma cientista e sua expertise e pesquisa? Estes tipos de ataques, infelizmente, são aferidos até hoje, quando se deseja desacreditar o trabalho de alguma mulher.

“Este é um livro sobre a guerra do homem contra a natureza e, como o homem faz parte da natureza, também é inevitavelmente um livro sobre a guerra do homem contra si mesmo.”

Esta cientista tornou-se a voz mais poderosa de resistência contra políticas públicas mitigadas pelo interesse próprio do governo e da indústria, contra a miopia que ameaça destruir esse precioso lugar que, juntamente com inúmeros outros animais e plantas, chamamos de casa.

Agrotóxicos: a miopia continua
Foto de Arjun Mj em Unsplash

A fé cega continua e a impossibilidade de permanecer em silêncio

As imagens e narrativas se repetem. Uma espécie de fé cega envolve o uso desses agrotóxicos: será pela visão de vida e de mundo de curto prazo? De arrogância? De mesquinhez?

Em 1963, Primavera Silenciosa chamou a atenção do presidente Kennedy e ele convocou uma audiência no Congresso para investigar o uso de agrotóxicos. Carson não hesitou em testemunhar, mesmo quando seu corpo estava cedendo devido à dor debilitante da doença e dos tratamentos. Com seu testemunho como pilar, Kennedy e seu Comitê Consultivo Científico invalidaram os argumentos de seus críticos, atenderam ao apelo de Carson e criaram as primeiras políticas federais destinadas a proteger o planeta.

No Brasil, somente em 2009, 47 anos depois do lançamento de Primavera Silenciosa, é que baniu-se definitivamente o uso do DDT. Até então, acumulou-se ao longo da cadeia alimentar e afetou 3 gerações de brasileiros.

Hoje, a sociedade civil está mais atenta e mais vocal do que na época de Carson. E, assim como a bióloga e escritora, é importante conservar-se firme às críticas e ataques com compostura e segurança, protegidos pela integridade dos fatos.  

Livros sugeridos:

Silent Spring, de Rachel Carson, em inglês.

Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, em português.

Rachel Carson: Witness for Nature, biografia de Rachel Carson, escritora da natureza, bióloga e defensora de causas ambientais e humanas. (em inglês)

Fontes:

Environment & Society Portal (em inglês)

Pesquisa Fapesp