A MORTE DAS ABELHAS

A notícia é antiga, mas o problema persiste e se agrava. Em Setembro de 2019, a BBC Brasil noticiava a morte de 50 milhões de abelhas em um só mês em Santa Catarina. Os responsáveis foram rapidamente identificados pela Cidasc (Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina): agrotóxicos utilizados nas monoculturas de soja. Entre os três mais letais para as abelhas, o Fipronil, proibido em muitos países. O Fipronil age sobre o sistema nervoso das abelhas, e as que não morrem durante o voo, perdem a orientação e não conseguem voltar para a colmeia; as poucas que retornam contaminam as colmeias. Note-se que Santa Catarina é o principal produtor de mel do país, com 99% da produção classificada como orgânica, classificação essa agora colocada em dúvida.

Segundo a Repórter Brasil e a Agência Pública, o Fipronil e os neonicotinóides (inseticidas derivados de nicotina) foram responsáveis pela morte de 400 milhões de abelhas no Rio Grande do Sul, 45 milhões no Mato Grosso do Sul e 7 milhões em São Paulo entre o Natal de 2018 e fevereiro de 2023. Mas, em Junho de 2023, foram mais de 112 milhões de abelhas mortas no interior do Estado de São Paulo (desta vez pelo Tiametoxam, mais um neonicotinoide). E fora desse cálculo estão as abelhas silvestres.

A situação se repete em muitos outros estados. Na Bahia, em 2020, foram contabilizadas 70 milhões de abelhas mortas. Em 2020, o G1 noticiou a morte de 8 milhões de abelhas em apiários de Mauá da Serra, no norte do Paraná. No Mato Grosso, em Junho de 2023, os municípios de Sinop e Sorriso registraram outras milhões de abelhas mortas. Foram, na verdade, mais de 100 milhões só em Sorriso, como confirma a Apis Vale (Associação de Apicultores e Meliponicultores do Vale do Teles Pires de Sorriso), depois da análise do Instituto Biológico do Estado de São Paulo (leia aqui a notícia completa). O mesmo acontece no oeste do Pará e em praticamente todos os estados que fazem uso de Fipronil e de neonicotinóides. As imensas plantações de soja fazem um grande uso de venenos, e os campos de ação destes vão de 3 a 5 km além da área plantada. Agrotóxicos e morte de abelhas foram tratados recentemente na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (junho de 2023).

Desde 1990, o uso de agrotóxicos aumenta desenfreadamente no Brasil – cerca de 700% até 2016. Com o relaxamento nas leis pelo governo Bolsonaro, e com a liberação de mais de 2 mil novos agrotóxicos, o cenário piorou muito. O Sulfoxaflor, por exemplo, foi o responsável pela morte de meio bilhão de abelhas nos três primeiros meses de 2019, quando ainda estava em fase de teste.

A MORTE DAS ABELHAS

A menor produção de mel e o grande prejuízo dos apicultores são, entretanto, só uma parte do problema. A frase que Einstein provavelmente não disse:  “Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência: sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora; sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana”, tem sido muito citada recentemente.

De fato, a produção agrícola sofreria uma redução dramática. Segundo o projeto Polinizadores do Brasil, 30% do valor anual da produção agrícola no nosso país depende de polinizadores. Se o serviço de polinização fosse pago, custaria em torno de US$12 bilhões por ano. (Leia aqui a excelente matéria de Felipe Foresti para o Ecoa/Uol).

87% das 308 mil espécies de plantas conhecidas dependem da intermediação de outro ser vivo para a reprodução. Nos trópicos, são 94%. As abelhas, na prática, determinam quais plantas vão dominar um ecossistema. Os frutos dessas plantas afetam aves e mamíferos, que se alimentam e dispersam as sementes. Trata-se de uma grande rede, na qual as abelhas são o elemento determinante. 

Dos 107 principais cultivos agrícolas, 90% são visitados pelas abelhas. Além do aumento de produção, flores polinizadas, em geral, têm mais sementes, melhor formato, sabor, durabilidade e valor nutritivo.

O uso de agrotóxicos prejudica a agricultura familiar, a biodiversidade, a saúde pública (contaminando água, solo e ar) e a segurança alimentar, como muitas vezes denunciado pela ciência e pela sociedade civil. Apesar disso, a importação de agrotóxicos se beneficia há mais de 25 anos de uma redução de 60% sobre o ICMS. Tudo para garantir a maximização do lucro dos produtores de “soft commodities” (soja, sobretudo). 

No resto do mundo, a situação não é diferente, com produtores de pesticidas aliados a agricultores sem escrúpulos obstaculizando qualquer nova lei que dificulte a destruição de florestas, rios, campos e o habitat de muitos animais, inclusive abelhas e outros insetos.

A MORTE DAS ABELHAS

Maristela Jardim Gaudio

Foto 1 – Abimel (Via FolhaMT)

Foto 2 – Revista Forum

Foto 3 – Avaaz.org

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