A  hierarquia necessária dos problemas
A sobrevivência dos povos nativos e a de todos os povos como valor n. 1.

O ladrão bate à porta. O assassino bate à porta. Uma tragédia ainda maior que a de hoje bate à porta. Estamos assustados, no meio da luta, procurando evitar o pior.

Judeus foram mortos, 6 milhões, e o mundo acudiu como pôde quando já era tarde. Genocídios se engendram, pouco a pouco, sinal a sinal muito visível.

O poder judiciário tem procurado conter uma tendência óbvia no atual Brasil. Bolsonaro desarma a rede de fiscalização da Amazônia. Isso é um fato. Bolsonaro diz que os indígenas precisam largar seu modo ancestral e entrar no modo capitalista de produção. Indígenas nas cidades são desenraizados, proletarizam-se, apartam-se de seus valores e cultura, bebem, fumam, são objeto de bullying, suicidam-se. Sebastião Salgado mostra bem o drama nos textos e depoimentos de sua mais recente exposição: Amazônia.

Uma cultura fecunda e ancestral é sacrificada em nome de quê? De um modo de vida e de produção que enriquece uns poucos e vai na contramão do que pode salvar o planeta enquanto meio propício para a vida humana, animal e vegetal. Os ruralistas imediatistas apoiam Bolsonaro (os esclarecidos não!). Xô para os índios. O atual presidente alinha-se ainda aos que, como há mais de 500 anos, achavam que a cultura indígena é inferior à cristã. Tanto melhor que se dissolva.

Ricardo Salles, o ex-ministro do meio-ambiente, aparece junto a grandes toras, ligado ao mercado de venda de madeira, dando passe livre para as boiadas que tudo destroem, menos o bolso de alguns.

O mundo está vendo isso. Teme pela Amazônia e teme pela vida dos índios.

Bolsonaro era filho de garimpeiro e ele mesmo parece já ter exercido essa atividade. Protege os garimpeiros, usados por redes de lucro bem maiores. O mercúrio utilizado no garimpo infesta as águas da região amazônica. Crianças e adultos, indígenas ou ribeirinhos, bebem dessas águas e comem os peixes contaminados por mercúrio. Resultado? Problemas neuromotores graves, doenças, sobrevida menor. Crianças muito doentes, um futuro de possibilidades extirpado. Os próprios garimpeiros se prejudicam com o mercúrio. (Desbastar essa rede implicaria também pensar boas alternativas de sustento para eles, claro.)

Se Bolsonaro ganhar, o Judiciário, por diferentes conjunções e novas nomeações a cargo do presidente, estará mais próximo de seu controle, podendo parar de vez de conter os abusos cometidos pelo Executivo, tais como o desmonte da rede de fiscalização da Amazônia.

Depois das eleições de 2 de outubro, o Senado também perdeu parte de sua força de conter os desmandos. Na câmara federal, teremos Salles (esse do “vamos deixar passar a boiada”) e Pazuello (o ministro da saúde que fazia tudo que o presidente queria), além de vários deputados da bancada do garimpo.

Apoiar Bolsonaro é ter as mãos sujas de sangue indígena. Ou alguém duvida, pelos atos e palavras do presidente, que por ele todas as aldeias podem desaparecer? É só ver as PECs que ele deseja ver aprovadas. É só ouvir suas inúmeras declarações. É só ver o que tem acontecido com os povos nativos agora, acuados, aldeias invadidas.

Apoiar Bolsonaro é apoiar a conduta mundial que tem levado a uma crise climática sem precedentes e que em alguns anos inviabilizará a vida na Terra, passando por vários eventos climáticos que matarão gente, espécies animais e vegetais. Cientistas do mundo todo têm pesquisado isso faz muitos anos e os governos se unem em organizações e estratégias para procurar impedir a tragédia. O Brasil atual vai na contramão deste esforço para lá de urgente. Os desafios climáticos e seus riscos iminentes têm sido divulgados em todas as mídias; não são mais segredo para ninguém. Veja aqui um exemplo disso.

O ponto de não retorno e a urgência de uma ação conjunta

Poderíamos analisar diferentes aspectos da atuação do presidente, como o armamento, que beneficia as poderosas empresas de armas, e outros. Aqui nos atemos, entretanto, ao que significa apoiar Bolsonaro destes dois pontos de vista: a dizimação radical dos povos indígenas, e a exploração da natureza até a sua extinção e a do homem.

Como isso pode se dar, duvidam alguns e diz Bolsonaro, se a floresta é ainda tão grande? Pela simples constatação do “ponto de não retorno”, bem explicado pela ciência. A floresta tende a se regenerar por si mesma, depois de abalos. Mas a partir de um certo ponto do estrago, isso para de acontecer, ela não tem mais condições de se recriar, definha ao longo dos anos e morre. Isso se verificou em vários biomas, ou seja, em vários sistemas biológicos vegetais e animais, no curso da história. (Se quiser saber mais sobre o “ponto de não retorno”, veja este curto vídeo do cientista e humanista Antonio Nobre, ou leia um artigo seu mais detalhado.) A floresta Amazônica é vital não só por si mesma, por sua incrível biodiversidade, mas para o Brasil e para o equilíbrio climático do mundo inteiro, daí a preocupação dos outros países com as eleições brasileiras.

De novo: como apoiar um presidente que abrirá as portas para o fim dos povos nativos, em sua vasta riqueza humana e cultural, e ameaçará todos os povos humanos? É claro que o presidente age nisso junto com trilhares de ações mundiais, que vão na direção de um negacionismo climático.

Em nome de que valores apoiaremos isso? Para conter a destruição, precisamos de ações radicais fundadas no bem comum, a humanidade agindo como um todo.

Não dá para igualar os problemas em importância. Alguns são bem mais graves e precisam ser combatidos com a determinação do amor à vida (de todos).

Rosie Mehoudar

Imagem: escada da Catedral e Museu da Sagrada Família, de A. Gaudi, em Barcelona.

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