Grande como três vezes a França. No norte do oceano Pacífico, entre o Havaí e a Califórnia. Ocupa 1 milhão e 600 mil km2. (A França tem 551 mil.) A profundidade pode ser de até 10 metros. Não é uma ilha, mas uma grande sopa ou ensopado feito de 80 mil toneladas de plástico – trilhões de pedaços.
Mas como esse lixo foi parar lá? São muitas as origens:
- . resíduos plásticos descartados de forma inadequada que acabam em rios, riachos e áreas costeiras e, a partir daí, são levados para o mar por correntes e ventos.
- . resíduos plásticos que vêm da pesca, do transporte marítimo e outras indústrias marítimas. Isso inclui equipamentos de pesca perdidos ou descartados (como redes e linhas), carga que cai no mar e lixo jogado diretamente no oceano a partir de navios.
- . atividades marinhas como: “fazendas” de criação de peixes, mariscos e outros organismos, de onde vêm redes, bóias, cordas, embalagens.
- . exploração e extração de recursos, como petróleo, gás, minerais, o que também implica a construção e manutenção de plataformas marítimas, com o consequente lixo plástico.
- . turismo e recreação – navegação, mergulho, esportes aquáticos – além de operações militares e pesquisas contribuem para o acúmulo de plástico nos oceanos.
Uma vez no oceano, os resíduos plásticos são levados por correntes e ventos. No caso da Grande Mancha de plástico, o sistema responsável pela concentração do lixo se chama Giro do Pacífico Norte.
Os Giros oceânicos são formados por um sistema de correntes superficiais conduzidas pelo vento. A força do vento coloca as águas em movimento (em até cerca de 400 metros de profundidade).
Por causa do efeito da rotação da Terra e da distribuição do calor da radiação solar, as cinco correntes que formam o giro do Pacífico viram em direções diferentes, formando uma área de pouca mobilidade. No centro desse giro, concentra-se o lixo plástico carregado por essas correntes, a assim chamada Grande Mancha de Lixo do Pacífico (Great Pacific Garbage Patch (GPGP).
O impacto do plástico em peixes, aves marinhas, e mamíferos marinhos, que sofrem com a ingestão de plástico ou se enredam em resíduos, é observado quotidianamente.
Uma descoberta inesperada sobre a vida marinha foi feita em 2019. O nadador francês Benoit Lecomte, acompanhado por uma nave de pesquisa, nadou quilômetros nessa concentração de plástico.
Para grande surpresa dos cientistas, o lixo plástico abriga inteiras comunidades de criaturas costeiras, incluindo minúsculos caranguejos e anêmonas, vivendo e se reproduzindo a milhares e milhares de quilômetros do seu habitat natural. São os nêustons. A palavra “nêuston” deriva do verbo grego nein (νεῖν), que significa “nadar” ou “flutuar”. O sufixo “-on” é usado em biologia para formar nomes de grupos de organismos. Assim, “nêuston” refere-se a comunidades de organismos que flutuam ou vivem na superfície da água.
Foram identificados 484 organismos invertebrados, de 46 espécies diferentes.
Pode-se dizer que a Grande Mancha de Lixo do Pacífico e os nêustons associados a ela criaram um tipo de “novo ecossistema” antropogênico. Novo, mas profundamente alterado e desequilibrado. Este novo ecossistema se caracteriza por várias interações únicas e problemáticas entre os organismos marinhos e os detritos plásticos, e a ciência ainda faz hipóteses quanto aos efeitos possíveis sobre o oceano como um todo. Por exemplo: o que aconteceria se essas espécies, viajando por longas distâncias, invadissem outros ecossistemas e colonizassem outros habitats? Como essas espécies são afetadas e afetarão outras pela ingestão das toxinas presentes no plástico?
Foto: Alexander Stein, National Geographic.
E o drama final: o plástico se torna microplástico, entra diretamente na cadeia alimentar e em seguida no organismo humano. De fato, microplásticos já foram encontrados no sangue, no coração, no fígado, nos intestinos, na placenta, no leite materno, no sêmen, no cérebro… As evidências existentes indicam que eles podem representar riscos sérios à saúde. Alguns estudos afirmam que ingerimos e respiramos uma quantidade de microplásticos equivalente a um cartão de crédito por semana!
Como se isso não bastasse, os microplásticos também funcionam como aerossol: os minúsculos microplásticos na atmosfera contribuem diretamente para o aquecimento global.
O plástico, como sabemos, vem do petróleo e, no seu complexo processo de produção, representa cerca de 13% do total da emissão de gases de efeito estufa, grande responsável pelo aquecimento global.
Louváveis iniciativas, que merecem um inteiro artigo, como The Ocean Cleanup, trabalham para remover o lixo de oceanos e rios e levá-lo para centros de reciclagem.
Isopor, plásticos, fraldas descartáveis demoram entre 400 e 450 anos para se decompor. É preciso lembrar que o mundo produz atualmente cerca de 486 mil toneladas de plástico por ano. Dada a gravidade do nível de poluição, a ONU discute um acordo, que deverá ser fechado até o fim de 2024, para controlar essa poluição e limitar a produção.
Infelizmente, a ONU não é uma instituição de governança global e não pode, portanto, obrigar nenhum país a não produzir plásticos ou a diminuir a exploração e o uso de combustíveis fósseis. Ambos continuam a aumentar, e se tem a impressão de que a humanidade está numa estrada que leva ao suicídio. Um número impressionante de cientistas, estudiosos, pesquisadores, jornalistas, institutos e organizações alertam para o perigo real que corre a nossa civilização devido ao aquecimento global, consequência da queima de combustíveis fósseis e do saque contínuo dos recursos finitos do planeta. Precisamos mudar de caminho, alerta também o centenário filósofo francês Edgar Morin, em livros como É Hora de Mudarmos de Via (ed. Bertrand/Brasil), Terra-Pátria (ed. Sulina), Planeta: a Aventura Desconhecida (ed. Unesp), entre outros.
Maristela Jardim Gaudio