Um consórcio internacional de cientistas largou uma bomba de gás sobre a humanidade nesta segunda-feira: eles mostraram que as concentrações globais de metano (CH4), o segundo gás de efeito estufa mais importante, aumentaram quase 14 vezes de 2007 até 2015. As causas da disparada ainda não estão totalmente claras, mas os cientistas atribuem o grosso do problema a emissões por desmatamento e agropecuária, em especial nos trópicos.
Os números, revelados pela rede GCP (Global Carbon Project), trazem um desafio adicional para o cumprimento da meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a menos de 2oC neste século. A trajetória observada do metano se aproxima do pior cenário de emissões do IPCC, o painel do clima da ONU. Nesse cenário, conhecido pela sigla RCP 8.5, o esquentamento da Terra no fim do século 21 ultrapassará os 4oC em relação à era pré-industrial.
“O aumento foi surpreendente”, disse ao Observatório do Clima o pesquisador catalão Josep “Pep” Canadell, diretor-executivo do GCP. Ele é coautor de dois estudos publicados hoje: um sobre o balanço global de metano de 2016, com dados de 2000 a 2012, no periódico Earth Systems Data, e outro na revista Environmental Research Letters, com uma análise do que isso significa para o clima, que inclui dados mais recentes, até 2015.
Segundo Canadell, o pico de emissões aconteceu nos últimos três anos. Em 2014, por exemplo, a concentração de metano na atmosfera cresceu 12,5 partes por bilhão (ppb), em comparação com uma média de 0,5 ppb no começo do século. Com efeito, nos anos 2000 o metano parecia ter atingido um platô, com concentrações praticamente estagnadas. “Achamos até que estivéssemos fazendo alguma coisa certa”, conta Canadell. Os novos dados assustam os cientistas porque vão quase na direção oposta da concentração de gás carbônico emitido por combustíveis fósseis, que ficou praticamente estagnada em 2014 e 2015.
O metano é emitido em quantidades muito menores do que o CO2. Suas principais fontes são a queima de biomassa, o rebanho bovino e ovino (o popular “arroto” das vacas e ovelhas), a produção de combustíveis fósseis, como o gás natural (que é quase todo metano), e o lixo e o esgoto nas cidades.
Estima-se que em 2012, último ano para o qual as análises mais completas estão disponíveis, suas emissões anuais tenham chegado à casa das 550 milhões de toneladas por ano – contra cerca de 50 bilhões de toneladas de CO2 atualmente. Ele representa 4% do CO2 equivalente.
O problema é que cada molécula de metano esquenta o planeta 28 vezes mais do que uma molécula de CO2. Então, apesar de responder por apenas 4% dos gases-estufa, ele causa 20% da elevação de temperatura, segundo estimativa do Global Carbon Project. A aceleração do crescimento das emissões de metano, se tiver vindo para ficar, significa que nós provavelmente veremos um aumento de temperatura da Terra mais rápido do que os cientistas imaginavam.
“Esses novos dados são um lembrete brutal de que precisamos olhar para o pico de todos os gases de efeito estufa”, afirmou Canadell. “Todos os gases deveriam estar chegando ao pico e declinando muito rápido. As emissões precisam cair a zero.”
De acordo com a análise do GCP, a América do Sul e o Sudeste da Ásia ocupam os primeiros lugares nas emissões globais de metano – dois terços das emissões estão nos trópicos. No caso sul-americano, as áreas úmidas e cursos d’água lideram as emissões, o que pode ter relação com impactos de secas recentes sobre o balanço de metano dos ecossistemas. Mas seu crescimento é dominado pela agropecuária.
“Acreditamos haver um sinal claro da agricultura”, afirmou Canadell. “Há uma tendência de longo prazo de desmatamento e de crescimento do rebanho que ainda é enorme.” A queima e produção de combustíveis fósseis, como a produção de gás de folhelho nos EUA por fraturamento hidráulico (“fracking”), também é um fator importante de emissão, mas o GCP considera “improvável” atribuir a escalada global do metano a essa atividade.
Se a notícia do balanço de metano é ruim por um lado, por outro é possível fazer algo a respeito num prazo curto – diferentemente do que acontece com o CO2. “O metano é um gás lindo”, brinca Pep Canadell. “Se nós fazemos uma coisa agora, vemos o resultado já em dez anos.” Isso porque o tempo de vida do gás na atmosfera é de uma década ou duas, comparado aos mais de 150 anos que o gás carbônico permanece no ar. Além disso, reduzir várias fontes de metano é muito mais barato do que cortar emissões de CO2 – ações como trocar fogões a lenha na África, fazer aterros sanitários no Brasil e reduzir a queima por “flaring” em poços de petróleo no Oriente Médio.
Mas o grande esforço, diz o cientista, precisa vir da agropecuária. “Já temos inovações extraordinárias acontecendo, como novas tecnologias de alimentação de gado que reduzem dramaticamente as emissões. Todo o esforço global que está sendo feito hoje na área de energia, como em painéis solares, precisa de um equivalente na produção de alimentos.”