“Contribuir para a defesa conjunta da Amazônia, de sua floresta e de suas diversas civilizações contra a coalizão de forças político-militares e corporativas da mineração, do garimpo e do sistema alimentar globalizado, que lucram com a sua ruína, tal é a motivação que suscita este texto.” O texto em questão é O Decênio Decisivo da Amazônia. Propostas de ação política, de próxima publicação. O autor é Luiz Marques, professor da Unicamp, que escreveu há alguns anos Capitalismo e Colapso Ambiental (na sua terceira edição), vencedor do prêmio Jabuti. .
Fórum Social Pan Amazônico (Fospa)
A ocasião foi a décima edição do Fórum Social Pan Amazônico (Fospa), que aconteceu de 28 a 31 de Julho em Belém, cidade onde foi criado há 20 anos. A Pan Amazônia compreende 9 países: Brasil, que possui 60% do território da Amazônia, Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador, Guiana, Guiana Francesa e Suriname, todos representados no evento, depois dos pré-fóruns nos respectivos países. Consolidado como um processo em permanente movimento, o Fospa se estrutura hoje com inúmeras redes atuantes no meio ambiente e nos direitos humanos. A sua responsabilidade é criar ferramentas capazes de, em escala global, fazer avançar o respeito aos povos amazônicos e à natureza da qual somos todos parte.
Urgência e Alarme
Um sentido de extrema urgência transparece em cada número e em cada gráfico da exaustiva pesquisa de Luiz Marques sobre a situação atual da Amazônia e sobre sua importância para o inteiro planeta.
São números alarmantes. À riqueza em etnias, línguas e culturas indígenas corresponde uma radical diminuição da população original por invasões, massacres, epidemias, tentativas de escravização. A biodiversidade vegetal e animal é quotidianamente ameaçada pela extraçāo ilegal de madeira, pelo contrabando de animais silvestres, pela transformação da floresta em pasto, pela pesca e caça ilegais, pelo envenenamento dos rios e peixes com o mercúrio da mineraçāo. A saúde das tribos está severamente comprometida pelo mercúrio, como comprovam diversos estudos da Fiocruz.
A apropriação de terras indígenas e unidades de preservação avança a olhos vistos, com a conivência do governo federal. A caça e a pesca ilegais, além de retirarem recursos das populações indígenas, dão cobertura ao tráfico de drogas e armas.
Como se isso não bastasse, segundo trabalho recente da pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) Luciana Gatti, a Amazônia perdeu a sua função essencial de absorver dióxido de carbono, primeiro responsável pelo aquecimento global, e tornou-se uma fonte de emissão de carbono. Oito dos dez municípios que mais emitem gases de efeito estufa estão na região. A Amazônia é responsável por 5,5% do PIB do Brasil e por mais de 50% das emissões.
Medidas Radicais e Necessárias
Uma vez explicada, com números, gráficos e enorme bibliografia, a importância da Amazônia para a regulação do clima planetário, o documento O Decênio Decisivo da Amazônia. Propostas de ação política dedica-se a delinear seis medidas urgentes e radicais para que se mude a relação com a Amazônia e, na verdade, com o planeta. As medidas são tão necessárias quanto profundas e envolvem uma mudança no paradigma civilizatório, já que a destruição da floresta – e consequentemente dos seus povos, das suas culturas, das águas e da riquíssima biodiversidade – se faz por lucro, o valor máximo da nossa sociedade capitalista e cristã. As medidas podem parecer inexequíveis, mas se não forem adotadas, a vida e a civilização humanas, tais como as conhecemos, serão inviáveis no planeta Terra.
Guerra contra a Amazônia
A “guerra contra a Amazônia”, iniciada quando da chegada dos europeus, recebeu impulso decisivo na ditadura militar, continuou em outros governos e chegou, no governo do Centrão/Bolsonaro, a um ponto de “vale tudo e salve-se quem puder”. “A importância do bioma amazônico é tal que essa guerra torna-se mais importante do que a guerra da Ucrânia para a saúde e alimentação da população mundial”, diz o prof. Luiz Marques em entrevista ao Jornal da Unicamp.
Faroeste no século XXI
Para se apropriar do território brasileiro, os expoentes do que se convencionou chamar de agronegócio (que inclui a pecuária) associados a mineradoras e garimpeiros organizaram-se para ocupar uma fatia importante dos poderes Executivo e Judiciário. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), fundada em 1995, conta atualmente com 241 dos 513 deputados federais e com 39 dos 81 senadores. Muitos parlamentares são eles mesmos proprietários de grandes extensões de terra. A certeza da impunidade, devido à presença do agronegócio no Congresso, à promulgação de sempre novos projetos de lei (PL) que os favorecem, ao enfraquecimento e aparelhamento dos órgãos de controle – como Funai, Ibama, ICMBio – e ao próprio Ministério do Meio Ambiente, transformou o imenso território amazônico em uma terra onde dificilmente a lei prevalece. Declarações públicas por altas autoridades apoiam os infratores. Lideranças indígenas, ambientalistas e funcionários das agências de controle que fazem o próprio dever são demitidos, perseguidos e até assassinados. É um novo faroeste, em pleno século XXI.
Fospa, documento final
No último dos quatro dias de intensa programação do Fospa, foi publicado um documento final do qual faz parte a seguinte passagem:
“O FOSPA continuará a tecer alianças com diferentes movimentos sociais ao redor do mundo a fim de expandir ações para superar a crise humanitária, ambiental e climática, e para influenciar órgãos governamentais internacionais a adotarem políticas que sejam consistentes com este propósito global.”
O documento integral pode ser lido aqui.
Maristela Jardim Gaudio