Os elefantes estão desaparecendo

 

Crisálida repercute, abaixo, um bem documentado artigo assinado pela Equipe Oásis e  publicado no blog de Luís Pellegrini sobre a crescente ameaça à sobrevivência dos elefantes, o mais majestoso animal da biodiversidade terrestre. A título de introdução a este artigo, convém estar de posse de um rápido delineamento histórico do problema.

Na Ásia, como na África, a situação dos elefantes é crítica.  A destruição pelo agronegócio do habitat dos elefantes-de-sumatra (Elephas maximus sumatranus), hoje reduzidos a apenas 2.400 a 2.800 indivíduos, foi da ordem de 69% nos últimos 25 anos. Sua extinção na natureza, prevista para 2015, não se confirmou, mas a UICN acaba de reclassificar a situação desses animais, colocando-os não já na categoria “ameaçados”, mas “criticamente ameaçados” (critically endangered). 

Na África, o declínio inicia-se no século XIX e assume hoje uma velocidade vertiginosa. Em 1800, cerca de 20 milhões de elefantes habitavam o continente. Em 1913, essa população caíra para 10 milhões. Em 1989, a população africana de elefantes se reduzira a pouco mais de 600 mil indivíduos.  Os números apresentados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) à Africa Elephant Summit, ocorrida em março de 2015 em Botsuana mostravam que a população africana de elefantes havia caído de 550 mil, em 2006, para 470 mil, em 2013 (“African elephants could be extinct in wild in decades, expert says”. The Guardian, 23/III/2015). Em oito anos (2006-2013), haviam sido mortos 80 mil elefantes. O novo censo de elefantes de 18 países africanos, coordenado por Mike Chase, fundador da ONG Elefantes sem fronteiras, e apresentado por Anthony Banbury ao congresso da UICN em Honolulu (EUA) em setembro de 2016, contou 352.271 sobreviventes. A população de elefantes africanos de savana caiu 30%.  Em janeiro de 2015, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) anunciou que cem mil elefantes haviam sido mortos nos últimos três anos (2012-2014), um número sem precedente (Marie-Béatrice Baudet & Serge Michel, “Sur la piste des mafias de l’environnement”. Le Monde, 25/I/2015)  

Apenas no norte de Moçambique, incluída a Reserva Nacional de Niassa, a população de elefantes caiu de 15.400 para cerca de 6 mil entre 2010 e 2014. No país como um todo, contabiliza-se um declínio populacional de elefantes da ordem de 48% no mesmo período (de 20 mil para 10.300 elefantes).

 Temos assim um quadro claro do processo de extinção em curso.

Número de elefantes na África: 1800 = 20 milhões / 1913 = 10 milhões / 1989 = 600 mil / 2006 = 550 mil / 2013 = 470 mil / 2014 = 352 mil

Em pouco mais de dois séculos (1800-2014), a expansão capitalista na África dizimou cerca de 98,2% da população de elefantes. Segundo estimativas da Natural Resources Defense Council (NRDC), 96 elefantes africanos são abatidos em média todos os dias, o que equivale a um elefante morto a cada 15 minutos e a 25 mil a 30 mil indivíduos por ano. Hoje, em 2016, o número de elefantes deve ter caído abaixo de 300 mil. Nesse ritmo de extermínio, não são precisos mais que 10 anos para que os troféus e o tráfico de presas de elefantes, um dos negócios mais lucrativos existentes, cause a extinção definitiva na natureza da maior e uma das mais majestosas, sensíveis e inteligentes espécies de mamíferos terrestres da África.

Os genocidas são bem conhecidos. Contam-se entre eles milionários como o ex-rei Juan Carlos da Espanha, os dois filhos de Donald Trump, Donald Jr. e Eric Trump, Bob Parsons, proprietário da GoDaddy, Rainer Schorr e milhares de membros da National Rifle Association, do Safari Club International (SCI), além dos entusiastas de programas televisivos norte-amercianos como “Eye of the Hunter”, da NBC e  “Winchester’s Deadly Passion”, da Sportsman Channel. Ao lado desses “esportistas” com licença para matar, agem traficantes ligados a uma rede internacional de comércio de marfim que irriga o sistema financeiro internacional com mais de 20 bilhões de dólares ao ano e financia guerras continentais endêmicas, tais como as movidas pelos cristãos do Exército de Resistência do Senhor, em Uganda, pelo Boko Haram, na Nigéria, ou pelas milícias Mai Mai, nascidas da segunda guerra do Congo

(Luiz Marques)

 

Há anos os ambientalistas denunciam a progressiva diminuição do número de elefantes africanos por causa, sobretudo, da caça ilegal. Mas à parte investigações locais e portanto não completas, não existia um censo geral da espécie no território africano. Agora, graças a um importante grupo de cientistas, o financiamento de Paul Allen – co-fundador da Microsoft – e, entre outros, a associação Elephants Without Borders, temos as cifras precisas.

elefantes-da-savana

Os elefantes de savana contados são apenas 352.271, presentes em 18 países, e representam 93% da população total de elefantes. Os números estão em rapidíssima diminuição. O artigo contendo essas estatísticas acaba de ser publicado na revista online Peerj ( https://peerj.com/articles/2354/ ).

elefantes-luis-pellegrini-mapa-da-africa

 

Senhores da ecologia

Os elefantes africanos de savana (Loxodonta africana, distintos de uma outra espécie de elefantes, de tamanho menor e que habita as florestas, Loxodonta cyclotis) são um componente fundamental dos ecossistemas africanos ao sul do Saara. Eles habitam essencialmente a savana africana, as zonas abertas e inclusive os desertos (como a Namíbia) e possuem uma estrutura social e uma vida muito complexa, da qual as pesquisas estão longe de ter chegado ao fim.

Formam aquilo que em ecologia se define como uma “espécie chave”, fundamental para a conservação dos ecossistemas, além de serem muito importantes do ponto de vista social e econômico. A começar pelo fato de que são um dos principais atrativos turísticos no continente negro.

Os elefantes são, no entanto, há séculos, uma fonte de abastecimento de marfim, utilizado para os teclados de piano, as bolas de bilhar, e inclusive para palitos usados na gastronomia oriental, crucifixos e terços de oração católicos (como nas Filipinas) e vários suvenires turísticos quase sempre de péssimo gosto. Por isso, apesar da proibição quase absoluta de caça, os caçadores furtivos, pagos por comerciantes e intermediários europeus e asiáticos, não param de matá-los unicamente para extrair dos seus corpos os dentes que serão vendidos. A caça ilegal e a perda do seu habitat são as causas da diminuição acelerada da espécie. Até há pouco não existia um número seguro dos elefantes sobreviventes.

Contagem aérea

O projeto Great Elephant Census, envolveu estudiosos de muitos países africanos e ocidentais, teve início em 2014 com o objetivo de definir com maior precisão quantos fossem os animais que ainda habitavam a África (veja imagens ao lado). A contagem foi efetuada com voos aéreos aerei e com helicópteros, já que executar essa tarefa em terra seria uma tarefa muito longa, perigosa e cara.

Junto aos animais vivos, foram contadas muitas carcaças, que testemunhavam o estado da população e a porcentagem de animais mortos pelos caçadores. As contagens serviram também para estabelecer um confronto com números auferidos no passado, e desse modo delinear uma tendência da população geral da espécie.

Queda vertical

Os números traçaram uma situação preocupante, com um desaparecimento de cerca 144 mil indivíduos entre os anos de 2007 a 2014, e uma diminuição de 8% ao ano em todo o continente. A maior parte das mortes é devida à caça ilegal por causa do marfim, alimentada pela demanda dos países do Sudeste asiático, em particular a China, Tailândia e Vietnã. Os países de onde provém a maior parte do marfim são Moçambique e Tanzânia.

Depois de um crescimento populacional na metade dos anos Noventa, a tendência à diminuição do número de elefantes aumentou até chegar a um verdadeiro pico nos dois últimos anos. O atual estudo ressalta a importância teórica (mas não prática) das áreas protegidas para a salvaguarda da espécie, e junto a ela também a de muitas outras espécies animais e plantas e até de inteiros ecossistemas. Em muitos parques nacionais ou outras áreas, com efeito, a relação entre animais vivos e carcaças chega perto daquela que encontramos nas zonas não protegidas e isso indica uma altíssima atividade de caça ilegal inclusive no interior das áreas protegidas.

Avidez ocidental

Os esforços de proteção das espécies são obstaculizados pela disposição de alguns países do sul da África (notadamente a Namíbia e o Zimbábue) para facilitar o comércio do marfim. A questão será discutida no próximo convênio da Cites, o organismo que regulamenta o comércio de partes de animais em via de extinção.

Os dois países citados (junto a alguns países europeus e asiáticos nos quais o mercado do marfim é ainda presente) desejam restrições ainda menores ao comércio do marfim de elefantes, mas isso, segundo os especialistas, levaria a um aumento exponencial da caça ilegal. Com o perigo do desaparecimento total do gigante africano.

 

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