A SIRENE QUE NÃO TOCOU

A sirene que não tocou em Brumadinho no dia 25 de Janeiro de 2019 tocou pontualmente às 12.28 na Avenida Paulista, domingo 26 de janeiro. Há seis anos, sem nenhum aviso prévio, rompe-se a barragem do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, e 25 milhões de toneladas de detritos da mineração avançaram em avalanche sobre Brumadinho, destruindo tudo no seu caminho.   272 mortos. Nenhum culpado, nem mesmo a empresa  que assegurou que a barragem não corria perigo, sabendo que mentia.

A manifestação na Avenida Paulista é uma iniciativa do Instituto Camila e Luiz Taliberti, duas das 272 vítimas da tragédia. Helena, corajosa mãe das vítimas, repete em público, com voz embargada, e mais uma vez, as razões que nortearam a fundação do Instituto: homenagem a todas as vítimas, a busca por justiça, a conscientização para evitar que tragédias semelhantes se repitam, dar continuidade ao trabalho dos filhos. “Tentaram nos enterrar, não sabiam que éramos sementes”, diz o moto do Instituto. Camila, advogada, se ocupava de direitos humanos, em especial de mulheres em situação de fragilidade; Luiz, arquiteto, era ativo em questões ambientais – a sua companheira, Fernanda, estava grávida do primeiro filho, do primeiro neto, um menino, Lorenzo. Estavam em uma pousada em Brumadinho para uma visita a Inhotim, quando a avalanche criminosa chegou.

A SIRENE QUE NÃO TOCOU

Rompe-se a barragem do Córrego do Feijão e a avalanche avança sobre Brumadinho (foto www.poder360.com.br)

A CATÁSTROFE DE BRUMADINHO NÃO FOI A PRIMEIRA 

Em 10 de setembro de 2014, uma quarta-feira de manhã,  o rompimento de uma barragem da Herculano Mineração em Itabirito, a 55 quilômetros de Belo Horizonte, despejou mais de 300 mil metros cúbicos de rejeitos na região. Para além dos impactos ambientais, três funcionários que faziam o reparo da estrutura morreram após o colapso e, conforme o Ministério Público de Minas Gerais, os diretores da empresa sabiam muito antes das condições ruins de segurança no local.

Em 5 de novembro de 2015, em Bento de Freitas, distrito de Mariana, na hora do almoço, foram sentidos alguns tremores e nenhuma suspeita. No meio da tarde a barragem do Fundão se rompe e 40 milhões de metros cúbicos de detritos da mineração são despejados sobre Bento Rodrigues e mais 49 comunidades. 19 pessoas morreram. De riacho em riacho, de córrego em córrego, a avalanche de rejeitos chega ao Rio Doce, o percorre, atinge a foz e invade o Atlântico, polui a costa do Espírito Santo e chega a Abrolhos, no litoral sul da Bahia, completando o seu trajeto de mais de 660 km de devastação de ecossistemas aquáticos e terrestres. Foram milhares os animais mortos.

Também pelo desastre de Mariana, não há culpados. No último dia 14 de novembro, a juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, do TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região), absolveu as empresas Vale, Samarco e BHP e considerou que não havia provas suficientes para atribuir responsabilidade criminal direta e individual aos 21 réus, entre executivos e técnicos. É o “paraíso da impunidade” , observa um dos atingidos.

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A SIRENE QUE NÃO TOCOU

Bento Rodrigues coberta de lama. (foto: Corpo de Bombeiros – MG/Fotos públicas)

TRAGÉDIA IRREPARÁVEL

Em Brumadinho e em Mariana, além da tragédia humana, o desastre ambiental parece irreparável. 

Em Brumadinho, foram notáveis a contaminação da bacia do Rio Paraopeba, a degradação da paisagem, a redução da biodiversidade, e uma série de outros efeitos, como centenas de desabrigados, comprometimento do abastecimento de água potável, prejuízos para o turismo, destruição de uma aldeia indígena, de uma pousada e de áreas de cultivo agrícola e de pecuária, entre outros impactos sociais, ambientais e econômicos de longo prazo.

Um estudo apresentado em 23 de Janeiro de 2025 pela Fiocruz revela que 100% das amostras de urina coletadas das crianças de Brumadinho acusavam a presença de pelo menos um entre cinco metais pesados (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês).

Passados 9 anos, a situação continua mais do que dramática no distrito de Mariana e em toda a região do vale do Rio Doce: os rejeitos de mineração depositados nas terras agrícolas alteraram a composição do solo, tornando-o inadequado para o cultivo. A presença de metais pesados no solo, na água e nos alimentos é um risco direto para a saúde humana e animal. Muitos agricultores abandonaram suas atividades por falta de condições para plantar e colher, o que resultou em perda de renda e êxodo rural em algumas áreas. Além das terras agrícolas, 2 mil hectares em 200 fazendas, foram também destruídos 1.469 hectares de vegetação natural, incluindo matas ciliares. 

Em diversos trechos do Rio Doce e seus afluentes, a pesca permanece proibida devido à contaminação da água e dos peixes. Isso afetou diretamente famílias que viviam exclusivamente da pesca. Muitos pescadores não receberam apoio para buscar outras formas de sustento, enfrentando desemprego e pobreza.

No litoral do Espírito Santo e do sul da Bahia, metais pesados continuam presentes. A água contaminada prejudica fitoplânctons e zooplânctons, bases da cadeia alimentar marinha​. Peixes, aves, tartarugas, toninhas e até baleias sofrem o impacto da poluição.

NENHUMA LIÇÃO APRENDIDA?

Nove anos desde Mariana, seis anos de Brumadinho. Parece que nenhuma lição foi aprendida. Senão, como explicar as 118 barragens da mineração em vários níveis de risco no país, das quais 44 só no estado de Minas Gerais, embargadas pela ANM (Agência Nacional de Mineração) no último novembro? Duas dessas, as em nível de emergência 3, ou seja, quando a ruptura é inevitável ou já está ocorrendo, – a Barragem Serra Azul (da mineradora ArcelorMittal), em Itatiaiuçu, na região metropolitana de Belo Horizonte, e a Forquilha 3 (da Vale), em Ouro Preto – põem em risco a vida de 61 mil pessoas. E esse é só um exemplo…

A  degradação ambiental que acompanha a extração de minérios, o risco de rompimento de barragens, os rejeitos da mineração com alto teor de metais pesados, a concessão de licenças, a cobrança de impostos sobre a extração, os riscos à saúde da população são algumas das questões relativas à mineração. Um fator que está na base dessas questões é o fato dos minérios serem um recurso finito –  um dia vão acabar. A humanidade está levando em consideração essa realidade? A resposta é obviamente “Não!”. Nós nos comportamos como se pudéssemos continuar a saquear o planeta, a mudar o seu clima, e  a extinguir outros seres vivos que compartilham a nossa existência na Terra, a nossa única casa, sem sofrer as consequências. As consequências já chegaram, e vão ser cada vez mais intensas e dramáticas. É o momento de compreender as fragilidades estruturais da sociedade contemporânea e de encontrar uma nova forma de pensar o mundo, do ponto de vista da economia, da sociedade e do meio ambiente.

Foto inicial: Vagner e Helena, com os filhos Camila e Luiz Taliberti (foto: Família Taliberti).

Maristela Jardim Gaudio

Fevereiro 2025

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