O sumiço do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips
Recentemente falamos aqui sobre o desacato, pelo Governo Federal, das ordens emitidas pela Justiça Federal quanto à preservação das áreas indígenas e da floresta. As consequências trágicas disso são diárias, mesmo que passem por vezes despercebidas por muitos. No caso do que acontece nesta semana, o crime do governo federal fica óbvio, e o mundo inteiro o cobrará.
O desacato das leis pelo governo é, justamente, tema de um artigo publicado hoje pelo UOL, cuja leitura recomendamos na íntegra e do qual sintetizamos a seguir algumas informações, junto a outras recolhidas de fontes diversas. O artigo é de Carlos Madeiro: “Justiça condenou União a reforçar as bases do Vale do Javari, mas foi ignorada”.
Pequeno histórico do problema
Em novembro de 2019, a Justiça ordenou que o Governo deixasse de ser omisso nas invasões – por garimpeiros, narcotraficantes, madeireiros, caçadores e pescadores aliados a negócios maiores – do Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, quase na fronteira com o Peru e a Colômbia e dentro de áreas indígenas já demarcadas e homologadas, onde há a maior concentração de tribos isoladas do mundo. A Justiça Federal chegou até a estabelecer multa de R$ 10.000,00 por dia de omissão.
Nunca nada foi feito, pelo contrário. O mesmo Bruno que agora desapareceu foi exonerado pela Funai (remodelada pelo atual governo federal) da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados quando, em 2019, coordenou a queima de 60 balsas de garimpeiros. A transferência de Bruno para outro cargo foi uma clara mensagem do governo de que se alinhava aos invasores. Com o apoio da ONG UNIVAJA (União dos Povos Indígenas do Parque do Javari) e a licença sem salário de uma Funai deteriorada, onde pouco podia fazer, Bruno Pereira persistia na luta pela integridade do Javari, contra a invasão, conversando com os diferentes segmentos sociais da região.
Nos crimes sucessivos que acontecem no Vale do Javari, como o assassinato do colaborador da Funai em setembro de 2019, Maxciel Pereira dos Santos, que tinha a mesma função fiscalizadora de Bruno Pereira, pesa o crime federal do não cumprimento da lei. O desejo do governo é abolir a legislação protetora das terras de vez. Estudos geográficos já mostram que a Amazônia está muito próxima de um ponto de não retorno. Mas, do mesmo modo que se negou a letalidade da Covid em 2020, negam-se a crise climática e dados do monitoramento da Amazônia.
Que jogo jogamos?
Há interesses econômicos poderosos em jogo, e uma enorme ignorância sobre o que é um jogo em que todos possam ganhar, a natureza e os homens, sua possibilidade venturosa e generosa. Por enquanto, é o lado violento e egoísta que tem sido estimulado. O rumo das coisas e a crise climática lembram as histórias em que a pessoa mata todos e depois se mata. Freud explicou bem o funcionamento desse processo primário e da tendência à inércia no ser humano.
Não é à toa que Bolsonaro sente que precisa continuar no poder; perdê-lo implicaria o julgamento por seus crimes ferozes.
No momento em que escrevemos este artigo, torcemos ainda para que Dom Phillips, na foto abaixo, e Bruno Pereira sejam encontrados vivos.
Rosie Mehoudar
Foto principal: BRUNO KELLY/AMAZÔNIA REAL. Rio Itaquaí na região da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (AM).